Nosso ideal de um amplo Estado social, economia mista, Democracia popular participativa, trabalhismo, nacionalismo etc

As lições de Dom Hélder Câmara e de Alceu Amoroso Lima sobre a síntese entre socialização e personalização apenas expressam o ideal concreto e histórico da Igreja, da maioria e dos melhores Bispos, padres, religiosos e leigos, do Brasil, e no mundo.

O ideal da Igreja é um sistema misto, com o melhor que existe no mundo todo. Nós católicos aprendemos com a história e com a experiência real do mundo todo.

Em parte, este ideal aparece historicamente no que há de mais avançado em IDH no mundo, na Dinamarca, Noruega, Suécia etc, países onde os socialistas e trabalhistas governam há cerca de cem anos.

Dom Hélder Câmara era nacionalista e defensor da intervenção do Estado na economia.E as ideias de Dom Hélder não eram isoladas, e sim compartilhadas pela maior parte do Clero. 

Dom Hélder queria um regime político e econômico pautado pela socialização e pela personalização. Este grande Arcebispo defendia a planificação participativa etc.

Numa entrevista à revista “Visão” (em 24.04.1964), Dom Hélder expôs suas idéias ecumênicas, ou seja, católicas (o termo católico significa universal), sobre o diálogo:

“Deus fez a inteligência voltada para a verdade. Quando a inteligência adere ao erro, é seduzida pela alma de verdade que existe dentro de todo erro. A melhor maneira de combater o erro é libertar as parcelas de verdade prisioneiras dentro dele. Quando o erro perde a verdade que nele se esconde, deixa de ter poder de sedução e consistência interior. (…) Tenhamos a serenidade de espírito e coragem cristã para salvar idéias justas, encarnadas em expressões que, no momento, soam quase como palavras proibidas e feias”.

Esta é a mesma linha de Alceu.

Alceu foi socialista na juventude e sempre elogiava o movimento civilista de 1910, de Rui Barbosa e do povo.

Alceu reconheceu que “Rui foi o primeiro candidato a lançar, ainda que timidamente, a defesa de idéias democráticas e sociais”. Rui fez isso, citando o Cardeal Mercier, defendendo a “democracia social”, tal como o fez Olavo Bilac, em boas conferências.

Na época, a expressão “democracia social” significa socialismo democrático, misto, Democracia popular e economia mista.

Rui Barbosa fundamentava suas idéias políticas no catolicismo, tal como Joaquim Nabuco e outros grandes políticos brasileiros.

Na revista “Veja, de 08.12.1982, Alceu ressaltou que sempre foi antiburguês. Proclamou, então, repetindo outros textos bem mais antigos: “defino-me como um socialista plural”, humanista, defensor de uma socialismo com liberdade (o ideal de Plínio Arruda Sampaio e outros).

Alceu foi o maior dos leigos católicos, no Brasil, e seu exemplo pode e deve ser seguido. “Socialista plural” quer dizer, socialista com pluralismo, com liberdade, com participação popular em todos os níveis, na linha humanista, dos direitos humanos naturais, com ênfase nos direitos humanos sociais e econômicos (renda para todos, bens para todos, moradia para todos, bons trabalhos com jornada reduzida, educação e saúde para todos etc).

O general Souza Aguiar, lá por 1966, acusou Dom Hélder de “instrumento do comunismo internacional” e elaborou uma lista de 40 bispos acusados de subversão contra o governo militar, ou seja, cerca de 40 bispos no campo socialista democrático, o que já era um bom número, pois, na época, o Brasil tinha cerca de 170 bispos válidos, com boa saúde.

Hoje, há uns 250 bispos com menos de 75 anos, que votam nas Assembléias gerais da CNBB, onde predomina a linha progressista. Este fato foi atestado nos “Diários” de Boaventura Kloppenburg, que mostram o isolamento deste bispo reacionário, que era voz isolada quando dizia que era possível um capitalismo cristão, atenuado etc.

A linha pró-socialismo com liberdade foi também atestada pelo General Figueiredo. Num informe do General Figueiredo, então chefe do SNI, ao Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, lá por abril de 1971, Figueiredo analisou a posição política dos bispos brasileiros.

O informe do General Figueiredo consta no livro de Kenneth P. Serbin, “Diálogos na sombra” (São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 2001, p. 211). Vejamos o trecho mais importante sobre “a alta hierarquia eclesiástica”:

Eles acham que é um direito da Igreja intervir e participar nos problemas sociais-econômicos do País e usam o Evangelho para contestar o que está estabelecido em nossa Constituição – o regime e, particularmente, o sistema capitalista.

Aliás, em todos os documentos oficiais da CNBB, e mesmo do Vaticano, nos últimos anos sobre o assunto, são claras as manifestações condenando o capitalismo (…). A triste verdade é que a Igreja Católica, em sua quase totalidade, optou pelo Socialismo, ou pela Socialização, o que dá na mesma”.

O cristianismo, ao contrário destas idéias horrendas de desprezo ao povo, tem, em suas entranhas, um elogio ao povo, ao homem comum (cf. bons textos de Henry Agard Wallace (1888-1965), Guareschi, Chesterton, Dickens e outros) e aos trabalhadores braçais.

O cristianismo, como atestou Rosa de Luxemburgo, contém, em suas entranhas, as melhores idéias socialistas e democráticas.

Henry Wallace é outro bom exemplo de cristão. Ele foi Vice-Presidente de Franklin Roosevelt (1941-1945), Ministro da Agricultura (1933-1940), candidato a presidente dos EUA (1948) e Ministro do Comércio de Truman (1945-46). Foi também foi um grande escritor e agrônomo, descobrindo várias variedades híbridas de milho. Deixou bons textos sobre democracia popular, não-capitalista.

Conclusão: a maior parte dos bispos brasileiros adota politicamente as linhas gerais de um modelo bem semelhante ao modelo de um socialismo democrático com amplo distributismo, economia mista, amplo Estado social, Democracia participativa popular, trabalhismo, nacionalismo etc.

Estas linhas são o núcleo da doutrina social da Igreja e da teologia da libertação.