O legado de Luiz Carlos Prestes: Democracia Popular, um amplo Estado social e uma economia mista, tal como com a aliança estratégica com os católicos

Luiz Carlos Prestes reconheceu em várias ocasiões o papel democrático e socializante da Igreja Católica e do cristianismo

Há uma boa entrevista com Prestes, feita em 1983, por vários políticos e jornalistas, com destaque para Oscar Niemeyer, Antônio Callado, Neiva Moreira, Jaguar e outros. A entrevista foi publicada no livro “Prestes, hoje” (Rio de Janeiro, Codecri, 1983, pp. 11-77, mais especificamente na p. 45). Vejamos as opiniões de Prestes sobre a Igreja:

“… a Igreja avançou, inclusive sua hierarquia, da CNBB. Penso que o ponto alto desse avanço foi alcançado em fevereiro de 77 ou 78, quando a CNBB discutiu o problema da segurança nacional, aprovando uma pastoral em que afirma que a verdadeira segurança nacional deve basear-se na luta pela democracia e em defesa da soberania nacional. Esse documento foi aprovado por 209 votos contra três”.

No documento referido por Prestes, a CNBB ensinou que a segurança nacional é baseada no primado da sociedade sobre o Estado, no domínio eminente da sociedade.

A soberania ou autonomia (autodeterminação, libertação) da sociedade exige a superação de males reificadores como o imperialismo, o militarismo, o capitalismo, o latifúndio etc.

O livro de Márcio Moreira Alves, “O Cristo do povo” (Rio, Ed. Sabiá, 1968), retratou a posição da Igreja ao lado do povo. Márcio visitou 14 estados e colheu 300 depoimentos para descrever a ação do clero ao lado da sociedade, dos pleitos sociais que expressam as necessidades, aspirações e interesses do povo.

Prestes elogiou Alceu Amoroso Lima e fez questão de ir, em 1983, ao sepultamento do antigo presidente da Ação Católica.

Também apreciava líderes socialistas e trabalhistas cristãos, como João Mangabeira, Alberto Pasqualini, Domingos Velasco, Brizola e outros políticos cristãos (e também socialistas e nacionalistas).

Nas eleições de 1945, o PCB lançou uma série de candidatos, como José Geraldo Vieira, católico e comunista; Monteiro Lobato, que era georgista e tinha religiosidade; Jorge Amado (que redigiu um dos parágrafos do artigo da Constituição, sobre liberdade religiosa); Prestes e outros.

Esta opinião positiva de Prestes sobre a Igreja é antiga.

Está inclusive em cartas que escreveu na prisão, durante o Estado Novo. Numa entrevista ao jornal “Imprensa Popular”, em 06.07.1956, Prestes disse: “os trabalhadores getulistas e todo o povo brasileiro ainda não se esqueceram do suicídio de Getúlio Vargas, por mais que alguns dirigentes do PTB pretendam enterrar sua célebre carta-denúncia e testamento político”.

Numa entrevista no programa “Pinga fogo”, da TV Tupi, publicada na revista “Novos Rumos”, de 24 a 30.01.1964, Prestes reconheceu que “o sr. Getúlio vargas incontestavelmente adquiriu prestígio popular por uma série de medidas favoráveis ao povo, inclusive à classe operária, tomadas durante o seu governo. O sr. Getúlio Vargas, particularmente a partir de 1935 e 1937, representou em grande parte os interesses da burguesia nacional, lutou pelo desenvolvimento econômico do país, implantando a siderurgia e, posteriormente, já no seu segundo governo, criando a Petrobrás”.

Reconheceu também que o povo estava certo ao eleger Getúlio em 1950, enquanto “nós, comunistas, em 1950, votamos contra a candidatura do sr. Getúlio Vargas”.

Sobre os católicos, Prestes disse:

“Temos aliados entre os católicos. Por exemplo, há muitos anos que os comunistas e católicos, aliados, dirigem a UNE. É uma aliança leal, sincera, cordial, porque há entre nós um terreno comum, embora haja divergências. (…). Hoje, mesmo entre o alto clero, há homens progressistas. O próprio Cardeal de São Paulo, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, um patriota que tem revelado posições inclusive simpáticas ao nacionalismo… Essa divisão [o certo seria esta boa tendência] vai se acentuar e o número de católicos, inclusive padres, que virão participar do processo revolucionário brasileiro vai aumentar nos próximos anos”.

Prestes, em várias entrevistas, lembrou que os comunistas apoiaram a candidatura de Juscelino em 1955 e a do Marechal Lott em 1960, dois católicos progressistas.

A Igreja e o PCB militavam na UNE, nos sindicatos urbanos e rurais e no meio cultural, com presença progressista.

Prestes, numa entrevista à revista “Realidade” (colhida no livro de Fábio Altman, “A arte da entrevista”, São Paulo, Ed. Página Aberta Ltda, 20. Edição, 1995, pp. 294-295), feita pelo jornalista Paulo Patarra, em dezembro de 1968, disse as seguintes frases: “…o próprio papa reconhece que o capitalismo não é saída para os povos subdesenvolvidos, uma vez que aumenta cada vez mais a distância que os separa dos países ricos, não fico surpreso com as posições do nosso clero progressista”; “estamos prontos, portanto, a apoiar esse setor da Igreja Católica, mesmo porque não nos consideramos os donos únicos da verdade”. Diante da pergunta “como o senhor definiria os padres de esquerda?”, respondeu: “como patriotas, a quem respeito”.

Além disso, Prestes afirmou espontaneamente que “agora, estou lendo o livro de dom Hélder Câmara”.

Na sala onde Prestes recebeu o jornalista havia uma imagem da “Santa Ceia”. Num dos quartos, estava a imagem de “santo Antônio”, com o “Menino Jesus ao colo”.

No Manifesto do PCB, chamado “Por uma frente patriótica contra o fascismo”, de novembro de 1973, há o seguinte texto sobre a Igreja católica:

“A Igreja mantém suas posições combativas de defesa dos direitos humanos e denúncia do terrorismo oficial. Dentro dela, um setor significativo já propõe um programa de conteúdo anticapitalista, como se vê nos manifestos dos Bispos do Nordeste e do Centro-Oeste. Crescem as possibilidades de uma ação unitária da Igreja, das massas católicas e de outras religiões, com as demais forças antifascistas, na luta pelas reivindicações populares e democráticas”.

Numa outra entrevista, ao jornalista Cláudio Kuck, de “O Globo”, em 01.07.1979, Prestes falou sobre Getúlio: “já fizemos autocrítica… De fato, erramos em não apoiá-lo e, no final de seu governo, ele efetivamente foi nacionalista. O povo brasileiro mostrou nas urnas o que nós, comunistas, deveríamos ter feito, apoiá-lo”.

Nesta mesma entrevista, elogiou Sobral Pinto: “outro brasileiro que é um dos que mais respeito e admiro é o advogado católico Sobral Pinto. Um homem notável. (…). Sempre luta contra as injustiças, aberto”. Sobral destacou-se na defesa de comunistas presos, na defesa de Juscelino e na oposição à torturas no governo militar.

Na entrevista ao “Pasquim”, em 02.11.1979, diz que “não há dúvida nenhuma de que a Igreja tem tido um papel positivo nestes anos de luta, contra as arbitrariedades, contra as prisões arbitrárias, contra as torturas”. Elogiou o Concílio Vaticano II, João XXIII, Paulo VI, Dom Paulo, Dom Adriano Hipólito e outros. Termina concordando com a posição de Hércules Correia “pela desateização do PC” e por “uma aproximação com a Igreja”.

Prestes, em outra entrevista a revista “Isto é”, em 02.04.1980, diz que a questão do aborto “não está incluída em nosso programa” e que “nosso partido, no atual momento, está apoiando uma aliança com a Igreja, que muito tem feito pela conquista da democracia no país”.

Em 20.01.1983, Prestes, numa entrevista com o título “comunista, com a graça de Deus”, concedida à jornalista Lenira Alcure, da revista “Fatos e fotos”, responde a uma pergunta sobre a teologia da libertação e a Igreja: “… há nela pessoas com uma posição que eu admiro muito, como o Tristão de Athayde ou o cardeal de São Paulo, a quem eu admiro e considero um dos homens mais consequentes desse país. Há também as comunidades eclesiais de base, que sempre apoiaram os trabalhadores”.

Conclusão: o papel positivo, como sal, da Igreja, no processo histórico brasileiro, fica claro na análise de nossos melhores historiadores, tal como na análise de Prestes, que militou por 70 anos contra o imperialismo, o latifúndio e o capitalismo.