A Doutrina da Igreja é pro DEMOCRACIA POPULAR, intervencionista, economia mista, defende DESTINAÇÃO UNIVERSAL DOS BENS, para todos

A doutrina de Leão XIII era baseada no jusnaturalismo cristão e favorável a uma democracia popular, social e participativa

Leão XIII, na “Rerum novarum” (n. 13), ensinou que Deus deu “a terra em comum ao gênero humano inteiro”, não tendo assinalado “a nenhum em particular a parte” destes bens (incluindo os bens públicos, os cargos públicos etc), “deixando à atividade dos povos [à sociedade] a delimitação” destes bens, destinados naturalmente a todos.

A realização destes direitos subjetivos naturais, DIREITOS HUMANOS SOCIAIS, aos bens constitui o bem comum (BEM COMUM significa condições de vida plena para todos), o bem de todos.

Este mesmo papa, Leão XIII, que chegou a quase 100 anos de idade, na “Quod apostolici muneris” (28.12.1878), frisou que há “um rigoroso dever” ético, imposto aos ricos (aos que detém bens supérfluos), de “dar o supérfluo aos pobres” e que o “juízo de Deus” toma em conta especialmente o dever de “acudir às necessidades dos indigentes”, ou seja, de difundir os bens, realizar o bem comum, social.

Leão XIII também frisou que todas as atividades e trabalhos da sociedade devem ser coordenadas e regradas pelo Estado para a proteção e a promoção do bem comum e que somente assim haverá “uma sociedade bem constituída”, como “pede a natureza” (mediação de Deus).

Numa carta ao Imperador Guilherme I, em 14.03.1890, este papa, Leão XIII, defendeu a criação de um direito internacional do trabalho, difundindo as normas protetoras do trabalho em todas as “legislações”, adaptadas às “condições diferentes dos lugares e dos países”. Destacou este ponto em outros documentos.

O próprio Cristo, em Mt 25, 35-40, deixou claro que a salvação depende principalmente do cumprimento dos deveres sociais (alimentar, vestir, dar moradia, socorrer na prisão e nas situações de desespero aos que sofrem).

Cada pessoa obtém a salvação (aperfeiçoa-se, humaniza-se, santifica-se) se pauta sua vida racionalmente, em prol da sociedade, do bem de todos.

Leão XIII, na “Arcanum Divinae Sapientiae” (10.02.1880), também lembrou que “a religião cristã” manda (explicita esta regra presente em todas as consciências) “velar e prover” “completamente a tudo que é útil aos homens que vivem em sociedade”. Neste documento, citou Santo Agostinho para frisar que a religião católica busca “tornar a vida agradável e feliz”, tendo o intuito de salvar as almas, mas também de “proporcionar e aumentar as vantagens e os bens desta vida mortal”.

A sociedade e o Estado devem organizar-se para assegurar a todos os bens necessários e suficientes para uma vida digna e plena. O bem comum é a finalidade primária da sociedade e do Estado. É a mesma base do documento “O bem comum e o ensino social da Igreja Católica”, da Conferência Episcopal católica da Inglaterra e do País de Gales; tal como de documentos semelhantes, em todos os países com população católica, mesmo minoritária, e há católicos em todos os países.

As “formas jurídicas” – públicas e privadas, de organização social, política, de distribuição, controle, gestão e consumo de bens – são relativas e são boas na medida exata em que asseguram e promovem os direitos naturais aos bens (moradia, alimento, liberdade, dignidade, felicidade, de participação etc) de todas as pessoas.

Sobre este ponto, vejamos Pio XI, na “Quadragésimo anno” (n. 25), sobre “a ação da autoridade civil”, que deve ser vinculada (ordenada, subordinada) ao “bem comum”:

quanto à autoridade civil, Leão XIII, ultrapassando com audácia os confins impostos pelo liberalismo, ensina corajosamente que ela [a autoridade] não deve limitar-se a defender o direito e a ordem pública, mas deve fazer o possível “para que as leis e instituições sejam tais… que da própria organização do Estado dimane espontaneamente a prosperidade da nação e dos indivíduos” (“Rerum novarum”, p. 48). (…). Aos governantes compete defender à nação e os membros que a constituem”.

Por causa destes e outros textos, Leroy-Beaulieu redigiu, em 1892, o livro “O papado, o socialismo e a democracia”, onde analisou a “Rerum novarum” (1891) e outros textos de Leão XIII. A conclusão de Leroy foi correta: “o princípio geral, posto pelo Sumo Pontífice”, “é indubitavelmente favorável à intervenção do Estado” na economia e especialmente nas relações trabalhistas.

Numa carta de 06.04.1893, este papa, Leão XIII, escreveu: “não nos esqueçamos de advogar a causa operária junto aos governos, para que uma tão grande e útil multidão de homens não fique entregue a uma classe de homens ávidos de ganho”.

Anatole Leroy-Beaulieu, o irmão do célebre economista, escreveu o livro “Os católicos liberais: a Igreja e o liberalismo de 1830 a nossos dias” (Paris, Ed. Plon, 1885), demonstrando a harmonia entre catolicismo e democracia social, popular.

A doutrina de Leão XIII era intervencionista e democrática. Esta era a “tese estabelecida pelo Papa”, “a justificação filosófica do direito de intervenção do Estado”. Não era mais possível fazer “reparos” aos “comentadores, cuja opinião é que todos os católicos se devem julgar agora obrigados a aderir ao intervencionismo”.

A aprovação de Leão XIII ao programa social de Albert de Mun (18.12.1892) tal como a carta do papa ao Cardeal Gaspar Decurtins (06.08.1893) deixam claro que o papado apoiava as leis sociais, a ampla intervenção social do Estado na economia, e inclusive no plano do direito internacional. Decurtins escreveu a obra “Reformismo católico” que expressa bem a necessidade de “aggionarmento” (conversão) contínuo.

O apoio à democracia popular e social está claro também na encíclica “Summi Maeroris”, de Pio XII, em 19.07.1950, onde este papa disse: “estimamos em grau máximo a liberdade, a dignidade e a prosperidade de todas as nações”.

O Concílio Vaticano II (1962-1965), no documento “Gaudium et Spes” (n. 25a), foi mais nítido ainda, repetindo textos de Pio XII, na Radiomensagem de Natal de 1944 e de João XXIII.

Vejamos o ensinamento dos bispos do mundo todo, explicitado no Vaticano II: “a pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais”. O ser humano é o centro da criação e o bem das pessoas (inclusive os bens materiais, moradias, alimentos, roupas, transporte, saúde etc) é a finalidade intrínseca de todos os bens.

Conclusão: Leão XIII, mesmo quando era arcebispo de Perúgia, escreveu “Cartas pastorais” onde expõe idéias modernas e corretas sobre o Estado.

O livro “Oeuvres pastorales de S. É. le Cardinal Joachim Pecci” (Lille, Ed. Facultés Catholiques de Lille, 1888) mostra bem a ênfase com que demonstrava a conciliação entre cristianismo, progresso social, democracia popular, intervenção estatal na economia, civilização etc.