Erradicar a REIFICAÇÃO é o ponto chave da Reforma social

O professor Goffredo da Silva Telles Júnior, católico que defendeu a planificação estatal participativa da economia, escreveu o artigo “Troca de tabuletas”, na revista “Veja”, de 04.02.1987. Ensinou que “quanto mais grave o problema”, “mais ele necessita ser debatido à luz do sol para que as soluções brotem das forças vivas da nação”, da participação da consciência de todos.

Com base nestas idéias de democracia social e econômica, vários expoentes católicos defenderam, em vários livros e textos, uma fórmula política chamada democracia participativa ou socialismo participativo.

Dentre vários expoentes, vale à pena citar alguns: Goffredo da Silva Telles Júnior, Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato, Alceu Amoroso Lima, Patrus Ananias, o Padre José Linhares, Durval Ângelo, Ivo Lesbaupin, Edgar da Matta Machado, o filho assassinado pela ditadura militar de Edgar da Matta, Paulo Fernando Carneiro de Andrade, Plínio Arruda Sampaio, Dom Hélder, Pontes de Miranda, Barbosa Lima Sobrinho, Domingos Velasco e outros grandes católicos e socialistas do Brasil.

Há diferenças de tons entre eles, mas há também um núcleo comum, que forma o conteúdo deste blog, um núcleo de FÓRMULAS PRÁTICAS CATÓLICAS e NATURAIS, para SUPERAR O CAPITALISMO.

A mesma idéia foi defendida pelos juristas portugueses Jorge Miranda (católico e socialista) e Canotilho (que elogiava a concepção jusnaturalista sobre a lei).

A concepção da Constituição dirigente, de Canotilho, é boa, pois é uma teoria sobre o Estado democrático social, popular, não-capitalista, de síntese. Por isso, serve como bom livro de leitura para militantes da Igreja, tal como as boas obras de Jorge Miranda, JURISTA CATÓLICO E SOCIALISTA, de Portugal, que, com Canotilho, está na origem de quase todos os pontos da Constituição socialista de Portugal.

Para Esmein, outro grande jurista francês ligado à Igreja, a principal fundamentação (“axioma”) racional da democracia é a regra da liberdade pessoal e social das pessoas: “o que é estabelecido no interesse de todos deve ser regulado pelos interessados” (uma máxima muito citada nos livros de direito canônico).

Esmein demonstrou também que os fundamentos da democracia são bem antigos, pois, mesmo os reis franceses sabiam que era vital o consenso do povo.

Mesmo os melhores juristas medievais ensinavam que o acesso à coroa de uma pessoa depende da “virtude da lei e do costume geral da França” (aceitação, consenso popular), e não da sucessão hereditária (cf. o livro de João Carlos Brum Torres, “Figuras do Estado moderno”, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1989, p. 69).

O consenso é tão valorizado pela Igreja que a própria doutrina católica fixou os principais pontos da interpretação da Revelação usando meios da democracia, por votações de maioria, nos Concílios gerais, regionais e nos Sínodos.

Foi a Igreja quem popularizou a regra dos dois terços, que foi adotada também pela Internacional 1,2 e 3. 

O mesmo ocorreu na formação do direito canônico. O “Decreto” de Graciano sempre foi chamado de “Concordia discordantia canonum” (“Concórdia dos cânones discordantes”), ou seja, os pontos consensuais entre as normas. Este nome era o mesmo nome de outra codificação de direito canônico feita por Cresconio, no século VIII.

Graciano, há cerca de mil anos atrás, cita cânones (decisões colegiais, coletivas, consensuais) de 105 Concílios, dos quais nove gerais e 96 regionais e restritos, todos com votações por maioria, por grandes consensos. São estas decisões que formam o NÚCLEO DO CATOLICISMO, com origem DEMOCRÁTICA, em Reuniões coletivas, votadas, sendo a última o Concílio Vaticano 2.

Além disso, Graciano expôs os pontos consensuais em vários textos bíblicos, papais, dos Santos Padres, textos de juristas romanos (Ulpiano, Paulo) e outras obras.

Thomas Carlyle (1796-1881), autor da estima do jovem Engels, elogiou a Igreja Católica, quando a criticou por fixar a verdade por votação, pelo método democrático.

O respeito à opinião do povo, à razão do povo, é a base antropológica da democracia. Barthélemy escreveu: “a democracia está plenamente de acordo com a razão, que quer que um ser racional se conduza por si próprio”.

A boa teologia é fruto do entendimento racional dos dados da Revelação e da própria razão natural, tendo duas partes, uma racional (a maior) e outra supra-racional, que é delimitada pela razão, porque não pode ser irracional (nos termos de Einstein, “Deus não joga dados”, Deus é inteligente, é racional).

Pela mesma razão, a teologia sempre tem uma parte que pode ser chamada de “teologia política”, como destacou Johann Baptist Metz (em obras como “Esboço de uma teologia política fundamental para nosso tempo” e “Teologia do mundo”).

Afinal, nunca é possível “fazer teologia de costas às dores e aos males” das pessoas.

Na mesma linha, há os textos políticos e teológicos de Jürgen Moltmann, especialmente o livro “Teologia da esperança” (1964) e “A Trindade e o reino de Deus” (1980). Há a mesma conclusão nos textos de Ernst Bloch (1885-1977), Erich Fromm, Garaudy e em outros grandes luminares.

Há outros marxistas próximos das teses cristãs. Por exemplo, Pier Paolo Pasolini (n. 1922) foi um grande cineasta, novelista e poeta. Combinou marxismo com algum apreço pelo catolicismo, tendo feito o filme “O Evangelho segundo São Mateus” (1964), que recebeu prêmios de organizações católicas.

Em 1969, houve um “Conselho dos partidos comunistas e operários” do mundo, em Moscou, onde houve o reconhecimento da contribuição positiva da religião para a democracia.

Pio XII, em 11.09.1958, num discurso a peregrinos do Instituto Nacional de Previdência da Espanha, ressaltou que a sociedade e o Estado foram criados pelas pessoas. A finalidade da produção é: promover, “desejar sempre e em todos os campos”, o “maior bem” das pessoas (da “humanidade inteira”), especialmente (“em especial”) o bem dos “mais necessitados”.

Neste discurso, Pio XII deixou claro que o “amor” (caridade) “ao próximo” (como a si mesmo) é o “amor sobrenatural”, o mesmo “amor” que “nos leva a Deus e nos une com Ele”.

Nas palavras de Cristo, no Cenáculo, pouco antes da tortura e da morte (cf. Jo, 15,12): “este é meu preceito, amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei” (inclusive até o sacrifício da própria vida). O escrito mais antigo de Marx é um texto religioso, no Liceu de Treves, onde ele lembra que o próprio Deus morreu em sacrifício pela humanidade, sendo exemplo para todos. Vou postar este texto, numa categoria própria de TEXTOS RELIGIOSOS de Karl Marx. 

Amor é caridade, é querer o bem para todos, sendo este o núcleo, a quintessência do cristianismo.

Nos termos de Santo Tomás, a caridade (o amor, querer o bem do próximo, o bem geral) é a “forma das virtudes”, a alma das demais virtudes.

Sumarizando: as pessoas (o povo, a sociedade) devem criar leis e estruturas positivas, tal como estruturas econômicas e organizações econômicas, unidades produtivas, que sejam a expressão de ordenações (idéias e regras racionais, sendo as melhores geradas pelo diálogo) da razão, ordenando suas condutas pessoais e sociais, para que sejam bons, adequados ao bem comum (ou seja, ao bem pessoal, familiar e social).

Com base nestas premissas, Leão XIII, na “Libertas”, destacou que toda nação deve ter independência política e econômica, não deve ser “serva de nenhum estrangeiro ou tirano”.