Greve de fome e o silêncio dos cúmplices
23 dias de fome de justiça.
A iminência de uma tragédia de vidas perdidas por uma causa que não lhes pertence individualmente – senão como cidadãos de um país que perdeu seus referenciais jurídicos e de democracia – possui algo de muito dramático que não diz respeito a eles, mas às autoridades a quem se dirigem, e que se recusam a recebê-los, bem assim aos donos dos meios de comunicação que lhes negam a publicização de seu sacrifício: torna-os cúmplices do desfecho qualquer que seja ele. Mostra a faceta de homens e mulheres de um país órfão de solidariedade, onde a vida está completamente banalizada.
23 dias de fome de liberdade.
Pedindo que a Suprema Corte cumpra com sua obrigação de fazer a prestação jurisdicional e julgue uma matéria. Um pedido obsceno não em si mesmo, mas pela necessidade de ser feito, exigido, miseravelmente solicitado, colocando a morte na contrapartida, com a mansa passividade de um martírio.
Como instrumento de luta, as greves de fome são historicamente consideradas como significativas formas de resistência e protesto político e social, desde Gandhi. Mulheres e homens fazem da ausência de uma necessidade vital à sobrevivência a marca de sua luta. No caso presente, no outro extremo, os destinatários da exigência firmam um silencioso e cúmplice pacto com os donos da comunicação: fingem não ver, não saber, não compreender, evidenciando um distanciamento inaceitável do outro, que coloca em questão a própria ideia de humanidade.
A Ministra Carmem Lúcia recebeu militantes, juristas e artistas em audiência no dia 14 de agosto de 2018, entre eles Frei Sérgio Gorgen, um dos grevistas. Disse-se sensibilizada pela pauta, comprometeu-se a visitar os demais. Não o fez e recusou-se a recebê-los ao ser solicitada.
Lembrando o ator Osmar Prado em sua emocionante intervenção na reunião no STF: quantos mortos ainda serão necessários para que se tome uma atitude republicana e correta? Quantos suportaremos? Respondo eu: depende de quantos morram sem causar alarde. Depende do quanto de silêncio possa ser produzido pelo pacto mortal de vilania e ignorância, com a certeza da impunidade.
* Tânia Maria de Oliveira é membro da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, assessora no Senado Federal da República