As teorias sobre o poder político e sobre o poder econômico, da Igreja são PRO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO, TRABALHISMO

A teoria cristã sobre o poder é parte da “filosofia cristã”, valendo para a organização política e econômica da sociedade. Precisa haver DEMOCRACIA ECONÔMICA, SOCIAL, POLÍTICA, CULTURAL etc.

A “filosofia cristã” é a filosofia da Paidéia, recepcionada em síntese com as idéias hebraicas, da Revelação.

A teoria cristã sobre o poder foi melhor sistematizada por São Tomás Morus, Frei Bartolomeu Las Casas, Vitória e, depois, por Francisco Suarez, o principal discípulo de Tomás de Aquino. Na mesma linha há pilhas de outros autores, como Gil Vicente, Luiz Vaz de Camões, Cervantes, Montaigne, São John Fischer (1469-1535) e outros grandes católicos.

Como explicou Enrique Dussel, a modernidade teve início no século XVI, em países católicos. Hoje, o movimento do pós-modernismo procura aperfeiçoar (superar, mantendo o que há de bom e melhorando) o que já existe, especialmente procura superar o capitalismo e as estruturas do Estado liberal, para a construção de uma economia solidária de comunhão social e de um Estado do bem estar ampliado, de justiça social e humanismo.

Há um bom texto de Francisco Suárez, em seu livro “Tratado das leis e de Deus legislador”, que resume o núcleo mais profundo da concepção jurídica e política da Igreja.

A concepção de Suárez era a concepção de Santo Ambrósio, de São Basílio, do bispo Nemésio de Emesa (autor do livro “Da natureza humana”, no século IV d.C., com um esboço de psicologia natural e cristã) e de outros Santos Padres, baseada na Bíblia e no melhor da Paidéia.

Vejamos o texto de Suárez, da obra referida acima:

Assim como o homem, pelo próprio fato de ser criado e ter o uso da razão, tem poder sobre si mesmo e suas faculdades e membros para o uso destes, e pela mesma razão é naturalmente livre, quer dizer, não servo, senão senhor de suas ações; assim o corpo político dos homens, pelo mesmo fato que a seu modo é produzido, tem poder e regime sobre si mesmo e, consequentemente, tem também poder sobre seus membros e peculiar domínio neles”.

Patrick de Laubier, no livro “As três cidades” (São Paulo, Ed. Ltr, 2002, p. 81), explicou a tese de Suárez, ressaltando a influência deste grande e sábio jesuíta:

Para Suárez, assim como a terra está destinada a todos e a propriedade privada, intervém apenas em segundo plano [subordinada ao bem comum], do mesmo modo o poder político numa “sociedade perfeita”, ou seja, juridicamente constituída, é conferido primeiro ao conjunto do povo:

Em primeiro lugar, o poder civil supremo, enquanto tal, é imediatamente dado por Deus aos homens que constituem a cidade ou comunidade política perfeita; por causa dessa doação não é a uma pessoa ou a um grupo determinado que o poder é conferido, e sim ao conjunto do povo ou à comunidade enquanto corpo social” [cf. “Defensio Dei”, III, 5]. (…)

A filosofia política de Suárez cairá no esquecimento após o Tratado de Westfália (1648), ao menos no tocante à Europa continental, pois na Inglaterra, Locke vai retomar, numa perspectiva liberal, certas posições de Suárez que influenciarão indiretamente a redação da Constituição americana de 1787, antes que a Revolução Francesa coloque um termo nas monarquias absolutas da Europa ocidental”.

No discurso aos estudantes de Direito da Universidade de Madrid, Pio XII destacou, em 01.04.1957, com elogio e recomendação, os grandes juristas espanhóis: “Suárez”, “Vitória”, “Domingos Soto”, “Bañez”, “Molina e Lugo”, que “foram, sim, honra da Igreja, mas que ilustraram não menos, a seu tempo e a sua pátria”.

Pio XII destacou, no discurso acima referido, a figura de Cícero, um dos pais da “filosofia cristã”. Pio XII também destacou a importância da “reflexão”, do “domínio de si mesmo”, da serenidade interna (“apatheia”, “paciência”) e da calma. Idéias que o estoicismo cultivou, especialmente Sêneca e Cícero.

Os juristas católicos que Pio XII listou neste, e em outros discursos que vou citar no decorrer deste meu humilde blog, foram justamente a nata da Escola de Salamanca (na linha da Universidade de Paris), onde Inácio de Loyola estudou.

O padre jesuíta Francisco Suárez é referido, por Pio XII, em primeiro lugar, como o maior jurista espanhol.

Pio XII diz que Suarez é uma “honra da Igreja” e de seu tempo. Além de Suarez, Pio XII elogiou o Cardeal João de Lugo (1583-1660), que ensinava em Roma (desde 1621).

Santo Afonso de Ligório considerava Lugo como o maior teólogo moral desde Santo Tomás de Aquino. A doutrina destes dois luminares é a doutrina democrática, sendo também a mesma linha dos textos do padre Luís de Molina, do molinismo.

A linha de Lugo, de Molina, de Sanchez e outros é também a linha dos probabilistas, defensores de uma ética viva e concreta. Acredito que é a linha predominante na Igreja, como ficou claro nos textos do Vaticano II, de Medellin, Puebla, São Domingos e em Aparecida. Trata-se da linha humanista, pois o humanismo é a filosofia do cristianismo.

A linha de Banez, na parte sobre teologia política, também é democrática e Banez, apesar do unilateralismo, também sabia que a presciência divina não elimina a liberdade humana, que foi criada pelo próprio Deus.

Numa carta de 30.06.1768, Santo Afonso de Ligório diz que seguia a linha da teologia moral de “Lugo, Suárez, Layman, Lessius, Castro Palao e outros”.

O Vaticano elogiou os textos de Santo Afonso de Ligório (cf. Breve de 07.07.1871 de Pio IX; e o Breve de 28.08.1879, de Leão XIII), que é um dos 33 Doutores da Igreja e o Padroeiro da Teologia Moral. As raízes de Afonso de Ligório são raízes democráticas.

Como fica claro, as idéias políticas de Morus, Las Casas, Francisco Vitória, Domingos Soto, Michel de Montaigne (1533-1592), Camões, Suárez (“Defensio”), Bellarmino, Lugo, Juan Mariana (“De rege et Regis institutione”, 1599), Sanchez, Vásquez e de outros grandes autores católicos eram democráticas e sociais, seguindo a linha luminosa e dourada (de luz solar) da Tradição, a linha de Santo Tomás e dos Santos Padres (a linha bíblica e da Paidéia), com a chancela do Vaticano.

A linha humanista, pró-democracia social, passa pela Paidéia e pela Bíblia. Foi recolhida pelos Santos Padres, mantida na Escolástica e ampliada na Renascença e no neoclassicismo do século XVIII (especialmente na Revolução polonesa, Francesa, na Bélgica, na Irlanda e no Continente Americano, incluindo a América Latina).

O neoclassicismo (na pintura, na escultura, literatura etc) teve ampla força de 1750 até meados do século XIX. No parnasianismo houve outra volta ao neoclassicismo, ao pensamento clássico, ao humanismo.

O Renascimento retomou os estudos sobre a Paidéia, na linha dos Santos Padres. Isto ocorreu basicamente na seara católica, com base no estoicismo, no neoplatonismo e também nos textos de Aristóteles, Cícero, Sêneca e outros.

Para exemplificar a linha católica do Renascimento, basta considerar homens como São Francisco de Assis (1181-1226), Brunetto Latini (1220-1294), Dante Alighieri (1265-1321), Giotto (1266-1337), Francesco Petrarca (1304-1374), Giovanni Boccacio (1313-1375), Coluccio Salutati, Jorge Gemisto (1350-1450), Besarion, Leonardo Bruni (1370-1444, tradutor das principais obras de Aristóteles), Fra Angelico (1387-1455, beatificado em 1982), Johannes Gutenberg (1400-1468), o Cardeal Nicola de Cusa (1401-1464), Pio II (Enea Silvio de Piccolomini, papa de 1458 a 1464), a família Médici (com vários Papas), Leon Battista Alberti (1404-1472), Leonardo da Vinci (1452-1519), Leão X, o Cardeal Pietro Bembo (1470-1547), Pico della Mirandola (1463-1494), Tomás Morus, Gil Vicente, Erasmo de Rotterdam, Luiz Vives, Nebrija, Miguel Ângelo (1475-1564), Cristovão Colombo (1446-1506), o padre Nicolau Copérnico (1473-1543), Giorgio Vasari (1511-1574, autor de “Vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos, 1550), El Greco (1541-1614), Luiz Vaz de Camões, Cervantes, Antônio Ribeiro Chiado, Galileo Galileu (1564-1642), padre Vieira, Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa, 1730-1814, na linha de Michelângelo e El Grego) e tantos outros.

Leon Battista Alberti (1404-1472), por exemplo, é considerado o sábio mais universal do Renascimento. Foi secretário papal de Eugênio IV e assistente do Papa Nicolau V. Este grande humanista deixou obras primas de pintura, música, matemática, arquitetura e literatura (por exemplo, “Da família”, “Da pintura”, “Dez livros sobre a arquitetura” (baseado na obra de Vitrúvio).

Alceu fez ressalvas sobre os textos de Alberti, mas há ampla preponderância de textos bons nos livros de Alberti e este foi mesmo uma das estrelas do Renascimento. O humanismo de Alberti é um exemplo do humanismo cristão, também presente em Maritain e Alceu.

As melhores idéias destes precursores da Renascença e renascentistas coincidiam com as idéias de Suárez, dos molinistas e outros expoentes do catolicismo, pois são idéias do humanismo cristão.

O Concílio de Trento endossou boa parte das teses do Renascimento, especialmente o amor à razão, à filosofia clássica e á liberdade.

O Concílio de Trento elogia a razão, a liberdade, o livre arbítrio e também a Paidéia, a filosofia clássica.

Fernand Braudel, no livro “O modelo italiano” (São Paulo, Ed. Schwarcz, 2007), descreve bem o Renascimento cristão, de 1450 a 1650, movimento liderado por Florença, Veneza, Milão, Roma e Gênova, espalhando-se ainda por Paris, Madrid, Londres e por outras cidades e países. Este movimento renascentista apenas retomava a linha das universidades católicas de Bolonha ( ), Paris, Oxford, Lisboa e Porto e depois Salamanca e outras.

Esta era a linha luminosa dos Santos Padres, que apreciavam e amavam a Paidéia, como prova o culto constante em Roma dos textos de Platão, Cícero, Sêneca, Aristóteles e outros.

As idéias de Suárez e de Genovesi, tal como de Kant, inspiraram inúmeros católicos no século XIX.

Por exemplo, o padre Antônio Feijó (1784-1843), na sessão de 25.04.1822, nas Cortes de Lisboa, disse: “nenhuma associação é justa quando não tem por base a livre convenção dos associados; nenhuma sociedade é verdadeira, quando não tem por fim as vantagens dos indivíduos que a compõem”. Feijó completava: “o despotismo tem podido atropelar estas verdades”, mas elas são evidentes.

O padre Feijó foi deputado, Senador e Regente do Império, de 1835 a 1837.

O padre Feijó assinou a lei proibindo o tráfico de escravos, numa ação abolicionista na mesma linha de Gregório XVI (1765-1846, Papa de 1831 a 1846), uma lei que foi elogiadíssima por homens como Luís da Gama, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e outros.

O padre Feijó está enterrado ao lado dos bispos e arcebispos de São Paulo, de Tibiriça e do Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724) na cripta da Catedral de São Paulo.

O padre Gusmão, o “Voador”, nasceu em Santos, cidade de Braz Cubas, sendo o inventor do balão com combustível (“máquina de andar pelo ar”, em suas palavras, dirigidas a Dom João V, em 1709, ao requerer a patente).

O padre Feijó defendeu a idéia da ordenação de homens casados, ponto que está em curso, pela difusão dos diáconos casados (se o número de diáconos casados aumentar, ficará claro a importância da ordenação de homens casados).

A ordenação de homens casados poderá também facilitar a união da Igreja com os ortodoxos e com os anglicanos. O encontro de Paulo VI com o Patriarca Atenágoras I (n. em 1886), em 05.01.1964, em Jerusalém, simbolizou a reaproximou entre católicos e ortodoxos.

A Igreja já admite a ordenação de homens casados para parte do clero, porque os diáconos são parte do clero e há padres casados nas Igrejas uniatas, igrejas ortodoxas ligadas a Roma (na Lituânia, os maronitas, os melquitas católicos, os caldeus católicos, os jacobitas católicos e outros).

Da mesma forma, o Vaticano admite que os católicos participem de Missa nas igrejas ortodoxas, de missas celebradas por padres casados, ortodoxos.

Na mesma linha do padre Feijó, houve expoentes como o padre cubano Félix Varelas y Morales (1788-1853), autor de obras como “Institutiones philosophiae eclecticae” (1812), “Máximas morais e sociais” (1848) e “Lições de filosofia” (1818).

O padre Félix Varelas foi o principal expoente pela luta pela autonomia e independência de Cuba. Foi deputado e teve grande militância intelectual e política. Era adepto do ecletismo, misturando tomismo, Condillac, Locke e também Descartes, numa linha bem próxima de Feijó, de Genovesi e dos católicos românticos do século XIX, adeptos do ecletismo, que era, no fundo, um saudável ecumenismo intelectual. Este ecletismo foi a linha hegemônica da Igreja, nos séculos XVIII e XIX.

Os partidários da doutrina da delegação – os velhos romanos apreciados por Santo Agostinho e Rousseau, os Santos Padres, Suárez, São Roberto Bellarmino, o Padre Rommen e outros – sempre defenderam que o poder vem de Deus diretamente para o povo, que organiza, pelo consenso, as estruturas de poder constituído (os cargos, os poderes etc), escolhendo os agentes públicos, os titulares que exercerão os cargos públicos.

A Igreja, desde o início, demonstrou apreço pelas formas de governo baseadas na poliarquia.

A poliarquia vem dos termos gregos “polis” (cidade) e “arke” (governar), designando a difusão do poder. Desde o início, a Igreja detestou a oligarquia e a tirania, considerando estas formas de governo como péssimas, na mesma linha de Platão e de Aristóteles.

A oligarquia é o governo nefasto dos ricos, como foi ensinado por Platão, no livro “República” (550c-553a), tal como por Aristóteles, em “Política” (IV, 3, 1290). O principado era entendido como a “suma potestas”, ou seja, o cargo com maior poder, sem monopolizar todos os poderes, todas as funções.

O ideal cristão foi sempre o distributismo, a descentralização, a difusão de bens e do controle, como expressão da regra da destinação universal dos bens.

Na verdade,  até mesmo os partidários da doutrina da designação do poder (corrente nascida no final do século XIX) defendiam que, no início das sociedades, o poder pertence a todo o “corpus politicum”. Assim, o poder tem como finalidade central, primacial, o bem comum. Para isso foi constituído.

A frase de Abraham Lincoln (um homem com boa religiosidade) que a democracia é “o governo do povo, pelo povo e para o povo” (na “Oração de Gettysburgo”, em 03.06.1862) tem fundamentação religiosa (Lincoln invoca “a ajuda de Deus” para que “a nação” tenha “uma nova vida de liberdade e que o governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareça da terra)”. Thomas Jefferson e Benjamin Franklin também deixaram bons textos religiosos. 

No livro “De Legibus” (Madrid, Instituto Francisco de Vitoria, 1975), do Padre Francisco Suárez, o Doutor Exímio, este cita vários autores, demonstrando como sua teoria tinha base segura e difusa.

Suárez cita, como fontes, São Tomás de Aquino, o Cardeal Thomas de Vio Cajetano (1469-1534), Diego de Covarrubias (1512-1577), Frei Francisco de Vitória (1492-1546), Frei Domingos de Soto, Roberto Bellarmino e outros. 

 Suárez diz que, “pela natureza das coisas” (fórmula que eqüivale a “pelo direito natural”, cf. doutrina dos estóicos e de Aristóteles), o poder político foi dado por Deus à comunidade, ao povo.

É a comunidade, o povo, que o transfere, que delega o poder, aos governantes, às autoridades.

O poder vem de Deus diretamente e imediatamente à comunidade, ao povo. Não há milagres na escolha das formas de Estado, de governo, na constituição do ordenamento jurídico etc.

 Suárez citou Nicolaus de Tudeschis (1386-1445), arcebispo de Palermo, que usava um texto das antigas “Decretais” de Graciano, para fundamentar a doutrina tradicional e antiga da Igreja, da “filosofia cristã”, a teoria da delegação, que é a teoria do bem comum.

Nicolaus de Tudeschis foi chamado Panormitanus e foi um dos maiores canonistas do final da Idade Média. O mesmo citou o seguinte texto, que consta nas “Decretais”: “certos cidadãos de Pisa, delegados pelo poder do povo para promulgar os estatutos da cidade…”.

“Delegados pelo poder do povo para promulgar” leis; esta velha doutrina é a mesma que rege a Carta Magna católica de 1215. Também é a mesma doutrina acatada na Revolução de João I, em Portugal, codificada por Fernão Lopes (1378-1459), o maior historiador e cronista de Portugal.

A teoria tradicional da Igreja também foi incorporada nos velhos textos constitucionais de Portugal e da Espanha, textos que foram resgatados no início do século XIX, para serem a base das primeiras Constituições de Portugal e da Espanha (especialmente a Constituição de 1812).

A teoria tradicional da Igreja consta também no Direito Romano-cristão (nas “Pandectas” de Justiniano etc), pois as leis romanas não apoiavam a realeza, a hereditariedade dos cargos públicos e outras mazelas, pois eram normas republicanas (apreciadíssimas por Robespierre e outros autores).

A maior parte da produção legislativa de Roma, que forma o direito romano difundido no mundo todo, é uma síntese elaborada sob ampla influência estóica e cristã. Boa parte da constituições, no mundo todo, tal como das estruturas estatais (especialmente legislativas e judiciárias, mas também administrativas e fiscais) seguem figuros romanos (até mesmo no nome dos cargos, como prefeitos, governadores, presidentes, deputados, senadores etc). 

Suárez defendeu também que o Papa somente tinha poder temporal indireto. A soberania temporal exercida pelos Papas nos Estados Pontifícios era decorrente de doação dos Imperadores, que, por sua vez, receberam o poder do povo romano. Assim, no entender dos grandes teólogos da Igreja, mesmo o poder temporal do Vaticano tem origem popular, principalmente pelo consenso do povo, da sociedade. 

Segundo Quentin Skinner, no livro “As fundações do pensamento político moderno” (São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 2000, p. 403), Guilherme de Occam e Jacques Almain, dois canonistas medievais, ensinavam a teoria da delegação, do bem comum, que os reis detêm o poder “apenas por transmissão” do povo. O povo não aliena o poder, apenas o delega, permanecendo soberano (potencialmente, o detentor originário), com os poderes e direitos originários, podendo destituir os agentes públicos se estes agirem contra o bem comum.

Jean Gerson adotava a mesma teoria. No fundo, esta é a teoria política cristã: o poder é exercido por pessoas que devem representar a sociedade, atuando em consonância com o conteúdo da consciência das pessoas.

O jusnaturalismo ensina que toda lei positiva (todo ato estatal) deve estar em sintonia com a lei natural, com as idéias verdadeiras presentes nas consciências das pessoas. Como explicou Chateaubriand, no livro “O gênio do cristianismo”, a Igreja sempre amou o governo representativo.

O padre Jaime Balmes (1810-1848), no livro onde compara o catolicismo e o protestantismo, “El protestantismo comparado com el catolicismo” (Buenos Aires, Editorial Difusión,  1944), demostrou como a teoria da representação (no fundo, praticamente igual à teoria jusnaturalista da delegação) foi acatada por Santo Afonso de Ligório e outros grandes santos e teólogos da Igreja.

Balmes, que morreu jovem, aos 38 anos, ainda encontrou tempo para atacar duramente a escravidão na obra referida.

Balmes examinou as teorias da delegação, mostrando como Santo Afonso de Ligório a defendeu, tal como João Gerson, o Cardeal de Cusa e outros. O livro é uma polêmica contra o protestantismo, peca pela falta de ecumenismo, mas tem pontos admiráveis.

Conclusão: o melhor do que há no mundo moderno tem origem no cristianismo, que incorporou, historicamente, o melhor das idéias hebraicas e das idéias da Paidéia.

O movimento do pós-modernismo deve superar o modernismo, preservando o que há de bom neste e indo além, pelo método da inculturação e das nuances graduais.