A linha da Igreja é uma Linha DEMOCRÁTICA POPULAR, ESTADO SOCIAL AMPLIADO, ECONOMIA MISTA, SOCIALIZANTE

O Concílio Vaticano II representou a reconciliação com os melhores princípios de 1789, como bem expôs o papa, Bento XVI. O grande FRANCISCO I, na linha do Santo João XXIII, pensa o mesmo, claro. 

O Cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI) no livro “Principles of Catholic Theology” (San Francisco, Ignatius Press, 1987, pp. 381-382), ensinou que o Concílio Vaticano II foi “uma tentativa de uma reconciliação oficial com a nova era inaugurada em 1789”.

Foi um esforço para corrigir “a unilateralidade da posição adotada pela Igreja sob o reinado do Bem-aventurado Pio IX e de São Pio X, em resposta à situação criada pela nova época da História inaugurada pela revolução francesa”.

Na verdade, houve ampla participação cristã (leigos e baixo clero, principalmente) na Revolução de 1789 e também na construção da democracia, no século XIX, especialmente na América Latina.

O próprio Pio IX, numa alocução do Natal de 1874, lembrava que “a princípio, a Revolução” francesa “nasceu tímida”, “obsequiosa e aduladora”, chegando “mesmo a mostrar-se hipócrita” (religiosa), “misturando-se” com as pessoas “até aos pés dos altares”.

Houve, apesar da participação dos leigos no movimento ascendente da democracia, textos unilaterais (não-infalíveis) do clero, como Ratzinger reconheceu.

Os textos papais contêm grandes verdades, mas, a maior parte destes textos não são documentos do Magistério extraordinário, e sim ordinário, dos Papas.

As mais de duzentas encíclicas de 1800 até hoje, em geral, não são textos infalíveis, como explicou Dom Estevão Bittencourt.

Por vários anos, trechos deslocados e mal traduzidos, fora do contexto, foram difundidos por pessoas com interesses escusos, com a ocultação da parte boa, que é muitíssima maior.

Revistas, jornais e TVs e rádios burgueses apenas pegavam trechos e distorciam, para a defesa do grande capital. Coisa abominável e diabólica, diga-se de passagem. 

Gramsci teve consciência da militância católica no movimento democrático, ao escrever que “o próprio Vaticano preferiria deixá-lo [o Síllabo] cair no ostracismo“, e isso já no período de Bento XV, lá por 1914.

Marx também descreveu, em vários textos, o papel do “socialismo católico” de Buchez, o papel positivo de Montalembert e as decisões democráticas do Congresso de Malines (com a participação de Ketteler), de 1863.

Um dos principais expoentes da doutrina social da Igreja foi Philipe Joseph Benjamin Buchez (1796-1865), o grande expoente do “socialismo católico”, na frase de Marx.

Buchez redigiu obras GENIAIS como “Introdução à ciência da história ou ciência do desenvolvimento da humanidade” (1833) e “Tentativa de um tratado completo de filosofia sob o ponto de vista do catolicismo e do progresso” (1839).

Buchez é o maior cooperativista do século XIX.

Ferdinand Lassalle e Louis Blanc foram seguidores das idéias de Buchez. Marx e Engels reconheceram a dívida de Lassalle a Buchez.

Buchez teve atuação literária, jornalística e ainda militou na política. Chegou inclusive a lançar as bases de um bom ecumenismo valorizando os aspectos salvíficos da religiosidade hindu, do bramanismo (hinduísmo), expondo os pontos comuns do hinduísmo com o catolicismo.

Buchez liderou a Carbonária francesa e depois presidiu, por algum tempo, a Assembléia Constituinte de 1848, na França. Foi um dos maiores leigos da Igreja.

Buchez, Lacordaire, Ozanam, Tocqueville, Ketteler, Rosmini e Chaadaev foram alguns dos principais expoentes do catolicismo social no século XIX.

O ideal histórico destes autores é o mesmo de hoje: uma democracia social, participativa, um Estado popular que abolisse a miséria e as grandes fortunas privadas (o mesmo ideal distributista de Chesterton e outros).

Estes ideais continuam atuais, embora, com o decurso normal da história, tenham surgido acréscimos naturais, novas idéias, pois a humanidade progride na consciência, no conhecimento de idéias melhores e mais eficazes para reger racionalmente o convívio social, de tal modo que o bem comum seja realizado cada vez mais, PELA ETERNIDADE AFORA, CLARO, pois até DEUS melhora na história, pela eternidade.

Como Deus não iria melhorar, se faz questão se viver dentro de cada pessoa, compartilhando de nossas angústias, alegrias, prazer e vida…?.

Até mesmo Marx reconheceu que Pio IX foi progressista no início da Revolução de 1848.

O papa Bento XVI disse que era preciso buscar “uma plataforma de acordo em relação a esses movimentos” do mundo moderno.

No mesmo sentido, o Cardeal Leo Suenens (digno sucessor do Cardeal Mercier (1851-1926) no arcebispado de Malines na Bélgica) foi um dos principais luminares do Concílio Vaticano II e escreveu que “o Vaticano II é a Revolução Francesa da Igreja”, o que implica no reconhecimento das fontes cristãs da Revolução Francesa.

João Paulo II, na “Carta sobre os 200 anos da morte de Pio VI”, em 25.08.1999, também lembrou que o “lema da França”, “Liberdade, igualdade e fraternidade”, é um lema cristão. Expressa o pensamento da Igreja, tal como a centralidade dos direitos humanos naturais. Vejamos o texto PAPAL, ora:

Por outro lado, é preciso mencionar o lugar dado aos direitos do homem [direitos humanos], que recordam que o ser humano é o centro da vida social. Esta exigência legítima não deve fazer esquecer que os direitos do homem se fundam sobre valores morais e espirituais, e que ninguém se pode considerar como o senhor dos seus irmãos.

“O Criador é o único senhor do tempo e da história. Graças à lei natural, Ele pôs no coração dos homens o desejo do bem.

O lema da França, Liberdade, igualdade e fraternidade, associa oportunamente aquilo que depende da liberdade individual à necessária atenção para com todos os irmãos, sobretudo os mais pequeninos, os mais débeis, desde a concepção até à morte natural. (…)

Exorto então os católicos a tomarem parte ativa na vida do seu país, a nível local, regional e nacional. Como já dizia a Carta a Diogneto, “os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. A alma encontra-se em todos os membros do corpo, os cristãos estão em todas as cidades do mundo… Tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é possível desertar”. Em colaboração com todos os seus irmãos, eles têm um serviço a prestar ao próprio país e é em conjunto que todos os franceses devem prosseguir nos seus empenhamentos ao serviço do homem, da sociedade e da fraternidade entre todas as pessoas”.

ÓTIMO TEXTO DE JOÃO PAULO II, dito na França. Texto magnífico. 

O Cardeal Suenens, no decorrer do Concílio, disse que era necessário “atualizar a Mater et Magistra, tornando-a três vezes mais forte”, especialmente no ponto sobre o supérfluo dos ricos e dos países ricos.

Dom Hélder esforçou-se, com o Cardeal Lercaro, pela edição de uma encíclica específica sobre socialização, mostrando que uma sociedade pautada pelo humanismo cristão combina socialização e personalização, numa boa síntese de democracia participativa, social e popular.

No Concílio Vaticano II, como confessou o próprio bispo Marcel Lefebvre, foi vitoriosa a ala dos bispos e cardeais afinados com João XXIII e apoiada por Alceu Amoroso Lima, Dom Hélder e centenas de outros bispos. Esta era e é a maioria da Igreja, fiel à tradição progressista do catolicismo.

O documento “Gaudium et spes” (“Alegria e esperança”, do Vaticano II, de 07.12.1965) atesta que a maior parte dos bispos defendia um conjunto de idéias práticas que constituem o esboço de uma democracia social e participativa, UM SOCIALISMO PARTICIPATIVO, ECONOMIA MISTA, na terminologia política corrente.

O velho Marat gostaria de ler os escritos de bispos como Suenens, Lercaro, Koenig, Frink, Alfrink ou de Dom Hélder.

Marat, que era jusnaturalista e teísta, escreveu textos cristãos e teístas como:

Os pobres romperam o jugo da nobreza e romperão da mesma forma o da opulência. O problema está em educá-los, fazer com que conheçam seus direitos [conscientizá-los, ressaltar seus direitos humanos ligados às necessidades humanas], e a revolução [social] produzir-se-á, infalivelmente, sem que poder humano algum se possa opor a ela”.

Robespierre também era jusnaturalista e teísta, sendo bem religioso e amigo de vários padres. O “Incorruptível” deixou idéias de democracia radical importantíssimas (tal como seu amigo, Saint Just), baseadas no primado da vida, do bem comum:

A primeira lei social é a que assegure a todos os membros da sociedade os meios necessários à sua subsistência. Todas as demais estão subordinadas a ela (…). Tudo o que é indispensável para conservá-la [a vida] é propriedade comum da sociedade inteira. Apenas o excedente pode ser objeto da propriedade individual”.

Os principais revolucionários franceses eram teístas e jusnaturalistas e o mesmo ocorria nos EUA, com Thomas Paine, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Washington e outros, quase todos grandes anglicanos, bem próximos das idéias dos católicos.

Sobre os jacobinos, basta citar, para ilustrar a religiosidade destes políticos, os membros do Círculo Social, os “enraivecidos” (liderados pelo padre Jacques Roux), tal como Babeuf, Buonarrotti e o próprio Napoleão (basta ler seu “testamento”, onde morre como católico). Eram homens com forte religiosidade.

Holbach, Condorcet e Helvétius também eram jusnaturalistas, totalmente embebidos em idéias cristãs.

Diderot morreu como discípulo de Sêneca, como estóico, TALVEZ PANTEÍSTA, ou só teísta, mas ESTÓICO, elogiando SENECA, O FILÓSOFO AMADO POR TODOS OS SANTOS PADRES.

O estoicismo foi a principal corrente ética-filosófica dos Santos Padres e da Igreja.O estoicismo mesclava o melhor do platonismo e do aristotelismo, sendo uma síntese genial entre pensamento grego, hebraico e fenício, uma GRANDE SÍNTESE. 

Sobre a concepção da Igreja sobre o Estado, vale a pena a leitura das obras seguintes, que ilustram bem as idéias da Igreja sobre o poder público.

As melhores são as obras de Mounier, Alceu, Maritain. Mas, também vale a pena a leitura de Giorgio La Pira, que escreveu o livro “Para uma estrutura cristã do Estado” (Lisboa, Ed. Duas Cidades, 1965), obra que contém uma boa exposição da concepção democrática do cristianismo.

E há ainda Van Gestel, Utz, mesmo o Cardeal Joseph Hoffner, Lebret, Jacques Loew, José Marins, Joseph Cardijn, Karl Rahner, Igino Giordani, Chenu, Congar, Daniélou, Frei Carlos Josaphat, Hans Kung, Haubtmann, Suenens, Maurice Roy, Thomas Merton e outros.

Conclusão: os documentos do Vaticano II, apoiados pela maioria absoluta dos bispos católicos do mundo inteiro, e mais ainda pelos leigos engajados, mostram bem o apreço da Igreja pelas idéias que compõem o núcleo da democracia social, popular e participativa.

Rousseau, Voltaire ou Robespierre ficariam bem alegres se lessem os textos de João XXIII, do Vaticano II e os textos da teologia da libertação.