A lição do Vaticano é clara: queremos DEMOCRACIA ECONÔMICA, POLÍTICA, SOCIAL, CULTURAL, autodeterminação pessoal e social

A receita política e econômica do Vaticano é clara: a democracia deve ser participativa, política, econômica, social, cultural etc.

O ideal cristão é o ideal racional e humano.

Este ideal exige, para a política e a economia (como para a pedagogia, a vida familiar etc), estruturas de uma democracia participativa e popular não-capitalista.

Por ser não-capitalista, alguns chamam este ideal, que é um ideal racional e histórico, de “socialismo humanista ou participativo” (cf. Marciano Vidal, um dos maiores teólogos da Igreja).

A fé e a razão marcham sempre juntas, são fontes convergentes, pois a fé é a marcha da razão com a iluminação (reforço, apoio, ajuda) da graça e dos dados da Revelação.

Alceu, no livro “Revolução, reação ou reforma” (Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1964, pp. 147-149), ao comentar uma “carta apostólica” do Vaticano (de 1963) sobre a democracia, explica bem a consagração papal ao ideal de uma democracia pautada pelo bem comum, como queria Aristóteles:

“Vamos fazer um resumo da “carta apostólica” sobre a “a sociedade democrática” em que está contida a expressão mais completa e atual do pensamento oficial da Igreja sobe a democracia. (Doc. Cath. 4-8-63)”.

“O documento inicia pelo “aspecto político” da democracia, destacando a lição explícita de Cristo sobre o papel de “servidor” do Estado e dos agentes públicos (os que têm poder, devem ajudar o próximo). O Estado deve estar subordinado ao bem comum, à sociedade:

“Aspecto político. “A democracia supõe uma sociedade de pessoas livres, iguais em dignidade, e gozando de direitos fundamentais iguais… cada qual devotando ao bem comum o melhor de suas aptidões…

“Os que detêm o poder não se entregam ao arbítrio… aceitam as fiscalizações necessárias, exercidas pela representação nacional e impostas por leis fundamentais livremente aceitas e racionalmente promulgadas. Sua autoridade imparcial e forte só tem preferência pelos mais fracos”.

“Logo, toda democracia é por natureza a negação do absolutismo. Sua lei é a relatividade e a proporção. É de notar, entretanto, que não se faz menção aí da pluralidade partidária, como essencial a democracia, embora se possa entender que os partidos estão incluídos entre os “corpos intermediários”.

Alceu analisou o “aspecto social” da democracia, que se desenvolveu principalmente a partir das Revoluções de 1848, com a participação positiva da Igreja:

“Aspecto social. “Toda verdadeira democracia exige ainda, que os cidadãos sejam devidamente informados”. Logo, liberdade de imprensa [e não monopólio da Globo etc].

“Exige ainda, como fundamental, o equilíbrio entre personalização e socialização. (…)

“Graças a uma autêntica democracia, chega-se a harmonização entre os dois movimentos complementares de personalização e de socialização… O movimento de personalização permite a cada qual expandir-se segundo as exigências de sua natureza inteligente e livre… Em virtude do movimento de socialização, o corpo social promove sua finalidade, que é o bem comum temporal…

“O movimento de socialização é uma nota característica do mundo moderno, que se manifesta pela multiplicação e interdependência de associações e de grupos de interesse”.

“Em tudo isso o essencial é o “diálogo”, palavra que o documento repete por várias vezes”.

O Vaticano recomenda a “autêntica democracia” com “a harmonização entre os dois movimentos complementares de personalização e de socialização”.

A “socialização” é o movimento do “corpo social” (o corpo místico natural, na linguagem medieval, ou sociedade na terminologia atual) em prol do “bem comum”. Trata-se de um movimento que só ocorre corretamente contando com a autonomia de cada pessoa, com grandes consensos baseados em sínteses, que assegurem uma união com liberdade e justiça. Neste sentido, Pio XII, num discurso no III Congresso Internacional da Imprensa Católica, em 18.07.1950, fez o elogio da liberdade de imprensa como elemento essencial numa sociedade bem constituída.

O velho Bispo, Dom Aquino Correia, ensinou idéias próximas, num discurso sobre “Dom Bosco e a democracia” (no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 30.10.1929), onde mostra o caráter democrático do “sistema preventivo” de pedagogia de Dom Bosco, onde o “sistema se apóia todo na razão, na religião e no amor, excluindo, portanto, os castigos violentos” e “mesmo”, “os leves”.

A conclusão de Alceu é a mesma deste meu blog e de autores como Chomsky e outros socialistas democráticos.

O ideal de nosso tempo, o “ideal histórico” (cf. expressão da antiga Ação Popular) é uma democracia “ao mesmo tempo moral, política, social e econômica”, como queriam o padre Fernando Bastos de Ávila, Paulo Bonavides e outros autores:

Vê-se assim que não há verdadeira democracia política sem democracia econômica. E que o atual processo de autocratismo econômico concomitante com o democratismo político é imperfeito e transitório.

“Finalmente é o espírito cristão que completará essa democracia, ao mesmo tempo moral, política, social e econômica”.

Alceu sempre destacou a importância do “verdadeiro humanismo”, que Bento XVI chama de “autêntico iluminismo” (expressão que designa a presença do iluminismo cristão como força principal do iluminismo).

O humanismo é, para Alceu, o “fundamento de uma sã democracia”, que exige “pesquisa científica, capacidade técnica, qualificação profissional, estudo sempre renovado” etc:

“Tal ideal seria dificilmente acessível se não fosse inspirado por um espírito cristão… (pois) o cristão, que sabe ao mesmo tempo de onde vem e para onde vai, toma simultaneamente a verdadeira medida do homem e do mundo. Para esse fim deverá unir a pesquisa científica, a capacidade técnica, a qualificação profissional, um estudo sempre renovado dos ensinamentos da Igreja. Encontrará ali a fonte do verdadeiro humanismo fundamento de uma sã democracia”.

“Essa democracia integral é que deverá ser a medida de nossa posição no confronto entre regimes políticos e econômicos contraditórios no mundo moderno. Não por cruzadas anti, mas por construções pró.Novembro – 1963”.

Conclusão: “construções pró” são esforços de sínteses, de ecumenismo, de diálogo, que é a base da intervenção da Igreja (e das pessoas racionais) no mundo, conforme ensinou Paulo VI, em bons textos. Foi esta a prática de São João XXIII e do melhor do Concílio Vaticano II.

O padre Fernando Bastos de Ávila tinha a mesma concepção, escolhendo o termo “solidarismo” para designar uma democracia completa (econômica, política, cultural etc). O padre Ávila lembrava que este também é o conceito usado para definir o socialismo participativo, democrático, com liberdade.

A idéia (ideal) de uma democracia com justiça social (solidária) também faz parte do ideário dos Cavaleiros de Colombo. Esta instituição foi criada em 1882, pelo padre Michael J. McGivney, em New Haven, Connecticut. Trata-se de uma espécie de ordem de leigos, considerada, por muitos, como a maior organização de leigos da Igreja. Carl A. Anderson, o Cavaleiro Supremo, num discurso no VI Encontro Mundial das Famílias, na capital do México, lembrou que a idéia da solidariedade “inicialmente desenvolveu-se entre os primeiros socialistas” e que, como ensinaram João Paulo II e Bento XVI, é “uma virtude [idéia] cristã” (nesta frase, há o reconhecimento de elementos cristãos no socialismo primitivo, antes de Marx).

Os Cavaleiros de Colombo sempre destacaram a virtude do patriotismo. Houve e há fortes infiltrações de idéias capitalistas, por conta de empresários nesta instituição, no entanto, há também as idéias corretas. A frase “liberdade e justiça para todos”, do Hino dos EUA, é corretamente adotada pelos Cavaleiros. Por isso, defendem a idéia que o poder deve, para ser justo, preservar e proteger os direitos humanos. Defendem a democracia, no fundo, uma democracia não-capitalista.

Conclusão: o nome mais apropriado para o ideal histórico de uma Democracia Participativa e Social seria, a meu ver, “socialismo participativo” (com liberdade), como defende um dos maiores teólogos da Igreja, hoje, o padre redentorista e espanhol, Marciano Vidal.

A diferença entre democracia não-capitalista, democracia participativa e social e socialismo democrático, se é que há, é de graus, uma diferença plausível no universo da liberdade política dos católicos e das demais pessoas.