A universalização do poder e dos bens faz parte intrínseca do Plano de Deus, da Providência.
Leão XIII, na “Providentissimus Deus”, de 18.11.1893, lembrou que “a Providência de Deus”, “elevou”, “no início”, “o gênero humano à participação da natureza divina”, voltando a fazê-lo, em grau maior, pela Encarnação.
Assim, nos termos de Leão XIII, Cristo, pouco antes da Paixão (do suplício), disse:
“Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei a vós”. Era então que formulava, Sacerdote eterno, o voto supremo do seu amor: “Pai santo, guarda em teu nome os que me deste, para que sejam um, como nós somos um.
“E não só os presentes, mas quantos pelos séculos fora hão de crer em mim: que todos sejam um, como tu, ó Pai, em mim e eu em ti, que também êles sejam um em nós,… com perfeitíssima e constante unidade (cf. Jo. 13, 34; 17, 11. 20-23)”.
Pelo cristianismo, cada pessoa, quando pauta sua vida racionalmente e de acordo com o bem comum, une-se a Cristo, faz parte do corpo místico de Cristo, o Corpo de Deus, a NATUREZA DIVINA, unindo-se aos demais e ao próximo Deus, como se fosse “um”, “uma só pessoa”, sem perder a personalidade própria, a individualidade, a AUTONOMIA PESSOAL.
Assim, o poder divino é aberto a todos, pois Deus quer que todos tenham parte (participação) no poder, na regência sobre o universo, como co-criadores, sócios, co-redentores. O Reino de Deus é uma REPÚBLICA POPULAR COOPERATIVISTA, COMUNITÁRIA, “COMUNISTA”, “SOCIALISTA”, “DISTRIBUTISTA”, DEMOCRÁTICA.
O “Reino de Deus” é o reino (controle) divino sobre o universo, que abarca os seres conscientes e não conscientes. O “reino” sobre as pessoas opera pela via da liberdade, da autonomia, do diálogo, da comunhão por consenso.
Na medida em que a Cidade divina mescla-se à Cidade humana, torna-a mais humana (o humanismo cristão é antropocêntrico, por ser teocêntrico).
Sendo criados à imagem e semelhança de Deus, na medida em que os atributos divinos do Reino aplicam-se à sociedade, esta fica cada vez mais humana, racional, bondosa, movida por consensos, pelo diálogo. Pela terminologia política atual, torna-se mais democrática, participativa e social.
Domingos Barbé, no livro “A graça e o poder” (São Paulo, Ed. Paulinas, 1983, p. 166), explicou bem os atributos do Reino e da Igreja e como estes atributos devem também informar a sociedade, como as decisões devem brotar da consciência de todos, na sociedade, no Estado e na Igreja:
“A noção teológica exata que a [a Igreja] define é a idéia de comunhão: a koinonia, diziam os teólogos dos primeiros séculos que se exprimiam então, o mais das vezes, em grego. Isto quer dizer que a Igreja é uma comunhão de irmãos, um corpo… onde o Espírito Santo está em todos e em cada membro, do último até o Papa. Há deveras uma igualdade fundamental entre cristãos. (…). Eis porque a verdadeira regra de decisão entre cristãos só pode ser a unanimidade. Há, aí, uma grande verdade a reencontrar e da qual subsistem ainda vestígios no direito canônico: estando o Espírito em todos, é necessário chegar, na Igreja, a um acordo universal, ou quase universal, em tratando de decisões importantes, já que o Espírito não pode falar contra o Espírito. (…). É por isso que nos concílios se exige que as decisões sejam tomadas por maioria de dois terços. A regra dos dois terços é a tradução prática de uma atitude teológica e não política, significando que se procura a unanimidade, pois as decisões dos cristãos só podem tornar-se autênticas quando o Espírito de Deus, passando por cada um, consegue realizar o acordo de todos”.
Deus criou cada pessoa concreta para se unir a esta pessoa, compartilhar de sua vida, seus projetos, planos, sua AUTONOMIA, suas dores, agonias, esperanças. Deus ama estar em cada pessoa, especialmente nos que mais sofrem e passam por agruras.
Os preceitos naturais e racionais são descobertos e formulados naturalmente, pela luz da razão, para atender aos “interesses comuns” e devem ser positivados, explicitados, formando um “sólido contexto jurídico” (cf. “Centesimus annus”, n. 42) que paute (regre, limite, proteja etc) a liberdade racionalmente, em adequação com o bem comum, com o interesse social, geral.
Como ensinou Francesco Carnelutti (1879-1965), um dos maiores juristas italianos, católico, no livro “Teoría general del derecho” (Madrid, Ed. Revista del Derecho Privado, 1941), “o preceito é o conteúdo ético do mundo” e o “mando é o corpus jurídico do preceito”. Toda vez que o mando não tem “conteúdo ético”, é como “uma moeda que imita o ouro”, é moeda falsa, contrafação, sem valor. O direito positivo contraposto ao povo, aos interesses do povo, é um falso direito, uma falsificação (contrafação, moeda falsa), é a negação do Direito vivo, que são as regras para a vida plena de todos.
Carnelutti também destacou que as sanções não fazem parte da estrutura lógica da norma, devem ser apenas suportes práticos para a eficácia, ajudas externas, pois o Estado apenas auxilia o movimento da consciência, como tutela, ajuda.
Por isso, o Direito Penal deve ser transformado em formas de penas abertas e semi-abertas, RESTRIÇÕES À LIBERDADE, no modo AMBULATORIAL, com TORNOZELEIRAS, TRABALHO EXTERNO, REGRAS, LIBERDADE ASSISTIDA, AMPARADA, ACIMA DE TUDO, AS “PENAS” DEVEM SER EDUCAÇÃO, CURSOS, que a pessoa deve fazer, tal como TRABALHOS COMUNITÁRIOS.
Conclusão: o poder público legítimo (justo, bom) é o poder público pautado pela luz natural da razão, presente em todas as pessoas.
O poder legítimo é fruto (nasce da fonte imediata da consciência de cada pessoa) do diálogo, dos consensos, da criatividade de todas as pessoas. O PODER LEGÍTIMO É O PODER POPULAR.
A universalização do poder é a única forma natural do poder público estar pautado pelo bem de todos (pelo bem universal, comum a todos).
A fórmula natural e racional do poder público servir a todos (como explicou Cristo), de assegurar a plenitude da vida para todos, é universalizar o poder, fazer com que todas as pessoas tenham parte no poder, como queriam Aristóteles, Santo Tomás de Aquino e também os melhores textos da Bíblia e da Paidéia.