Algumas Fórmulas (sínteses, projetos) para uma boa organização econômica e política do Brasil, Fórmulas criadas por bons católicos de nossa história

Algumas linhas da democracia social, participativa e social, ou seja, os pontos principais para uma reforma do Estado e da estrutura-organização econômica. A Igreja não tem um “modelo” fechado, mas tem princípios, diretivas, propostas, fórmulas concretas que propõem. 

Depois de ler centenas de documentos papais, dos grandes bispos, de bons padres e grandes leigos e teólogos, vejamos, neste post, um pequeno esboço das receitas de grandes leigos para o Estado, a sociedade e a economia.

O Estado, na ótica cristã, seria um Estado anticapitalista, antilatifundiário, antiimperialista, anti-oligárquico, anti-reificação etc. O ideal cristão busca um Estado representativo e permeado da cultura popular, que assegure e protege os direitos humanos naturais.

A “plataforma” mínima consta nos documentos da CNBB; da CPT e da Via Campesina (tal como do MST); da Pastoral Operária; da Pastoral da Saúde; da Pastoral Carcerária; da Comissão Brasileira de Justiça e Paz; do CIMI; da União das Nações Indígenas; do “Comitê Chico Mendes”; dos Fóruns Sociais Mundiais; do jornal “Porantins”; e em centenas de outras entidades sociais.

Alguns destes pontos foram bem elencados por Emir Sader, em sua enciclopédia sobre a América Latina (p. 517): “fortalecimento fiscal do Estado”, com “ampliação e fortalecimento” das bases de arrecadação; valorização do “funcionalismo público”; “luta frontal contra a corrupção, potencializada até limites” máximos; “criação de novos instrumentos de intervenção do Estado na vida econômica e social”; “maior transparência e controle dos cidadãos sobre o processo da tomada de decisões”, através de mecanismos como o orçamento participativo (ampliado ao grosso do orçamento), “uso dos referendos”, “revogação de mandados” e outras formas de democracia direta.

Neste sentido, o UNAFISCO, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, está correto ao apontar como exemplar a Receita Fiscal da França, que colhe mais de 50% do PIB, como ocorre nos países europeus. Ou a da Suécia, da Noruega, da Dinamarca, que arrecadam mais de 50% também. A da Suécia, tem muitos pontos bons. 

O bom poder político ou público é o poder da própria sociedade, com a participação de todos. O poder público legítimo é um poder baseado na libertação, na liberdade social e pessoal.

Este poder popular deve estender-se a todos os ramos e níveis da sociedade (micropoderes etc), para assegurar e ampliar a autonomia pessoal e social.

O Senado deveria ser extinto ou reduzido ao papel de guardião da Federação, e não mais como câmara revisora. A produção legislativa federal deve emanar basicamente de uma Câmara, com mandatos mandatos sujeitos ao “recall”, revogáveis (como recomendava o católico Darcy Azambuja e outros). O Poder Judiciário deve ser reformado seguindo as idéias do católico e garantista Eugênio Zaffaroni, com mandatos para os Ministros (cinco anos, mais cinco, de recondução) e algumas formas de participação popular nas escolhas dos Ministros e também nos julgamentos.

Todos os trustes e cartéis privados deveriam ser destruídos, toda oligarquia deve ser erradicada, pois são monopólios e oligopólios, bases econômicas para a oligarquia, ponto que homens como Agamenon Magalhães, Alberto Passos Guimarães (explicando a relação entre a inflação e os oligopólios), Kurt Rudolf Mirow (“A ditadura dos cartéis”, Ed. Civilização Brasileira, 1980) e Richard Lewinsohn (“Trustes e cartéis”, Porto Alegre, Ed. Globo, 1945) souberam destacar.

Os latifúndios são outros fortes das oligarquias. Assim como Richelieu destruiu os castelos dos nobres, destruindo parte do poder da nobreza, é importante destruir e erradicar coisas como o latifúndio, bancos privados, redes particulares de TV e outros males. O melhor modelo de televisão no mundo é a BBC, da Inglaterra, uma TV pública, aberta a todos.

A verdadeira democracia não tolera a concentração de poder econômico, não tolera poderes privados excessivos ao lado da miséria, que permitam a opressão. A assimetria exagerada mata a liberdade contratual. 

Neste sentido, Pio XII, no documento “Dans La tradicion” (07.07.1952): “riqueza e miséria: este contraste” é “intolerável para a consciência cristã”, para a consciência humana. O remédio é a “repartição da renda nacional”, para que haja a mediania, elogiada por Aristóteles, Hesíodo, os estóicos e na Bíblia (Provérbios e outros textos).

As linhas gerais da idéias e ideais católicos exigem bases anti-latifundiárias, anti-monopolísticas, antiimperialistas, distributistas e anti-concentratórias. Por conta destas idéias, a CNBB ajudou o MST a colher mais de um milhão de assinaturas para por “fora da lei” o latifúndio, ou seja, estabelecer, por emenda constitucional (pelo texto constitucional) que seria proibido a qualquer pessoa ter mais de mil hectares. A proibição do latifúndio é um dos pontos essenciais da democracia participativa.

A nacionalização da economia é outro ponto-chave, o grau de internacionalização de nossa economia nos reduz à situação de colônia, ponto bem destacado nos textos de Ricardo Bueno, “O ABC do entreguismo no Brasil” (Petropólis, Ed. Vozes, 1983), tal como nos estudos do professor Benayon ou do professor Bautista Vidal.

É essencial a criação do subsídio estatal à agricultura, aos agricultores FAMILIARES, pequenos e médios. A expansão do orçamento participativo. Outro ponto essencial é a criação de um sistema de planejamento público participativo da economia, combinado com formas de controle de preço e serviços, ponto bem defendido por Roberto Simonsen, Galbraith e outros bons escritores. Também deve haver a estatização do subsolo efetiva, como sempre defenderam Alceu, Osny Duarte Pereira e outros ótimos defensores do povo.

Há mais de quarenta séculos que a humanidade usa controles públicos, estatais e sociais, sobre os preços e os contratos. Por exemplo, as “Leis de Eshnunna” (1825-1787 a.C.), que são duas tábuas cuneiformes (descobertas em 1945 e a outra foi em 1947, ao sul de Bagdad) eram as leis de Eshnunna, uma cidade-estado na Mesopotâmia. Esta cidade-estado foi conquistada, em 1753 a.C, pelo rei Hamurabi, da Babilônia, região onde ficava Ur, de saiu Abraão, para o Egito e depois para a Palestina. Assim, são leis anteriores ao “Código de Hamurabi”. O livro “As Leis de Eshnunna” (Petrópolis, Ed. Vozes, 1981), de Emanuel Bouzon, mostra que boa parte das regras jurídicas positivas eram regras de controle estatal dos preços dos produtos mais importantes, de aluguéis, empréstimos e outras formas de dirigismo contratual. Há ainda regras de direito civil (família, responsabilidade civil etc) e de direito penal (sanções a condutas proibidas)

Outro ponto ESSENCIAL é a proibição de exportação de matérias-primas, na linha do velho colbertismo. Só deveríamos exportar matéria-prima industrializada, trabalhada, com agregação de valor, verticalização da cadeia produtiva.

Acima de tudo, deve haver o máximo de distributismo possível. Por isso, a CNBB apoiou o projeto de lei do Senador Eduardo Suplicy, hoje convertido em Lei Suplicy, que visa estabelecer gradualmente uma renda cidadã, uma renda básica que o Estado pagaria mensalmente a todas as pessoas, apenas por existirem, por serem pessoas, para abolir a miséria.

Da mesma forma, a CNBB apoiou o projeto da Bolsa Família (atingindo, hoje, mais de 50 milhões de pessoas) que deve ser um passo para a Renda Cidadã, projeto, dirigido especialmente por homens como Frei Betto, Patrus Ananias e o bispo Mauro Morelli (seu livro sobre como deve ser uma República popular é ainda atual).

Como ensinou Pio XI, na “Quadragesimo anno”, os bens que atribuem poder social excessivo devem ser estatizados e controlados pelo Estado. Por isso, a estatização dos bancos, ponto destacado por Alceu e outros católicos sociais, seria essencial.

O velho padre Vieira já preconizava esta proposta. Um dos modos de combater a usura, em sua forma de juros, é criar bancos públicos, que emprestem às vezes até com juros negativos, ou apenas taxas administrativas. Saint-Simon, adepto de um cristianismo social, também defendia esta fórmula.

Alceu também aconselha a estatização da produção e da distribuição da energia elétrica. A reestatização da Vale, da Companhia Siderúrgia Nacional, das telecomunicações (telefonia) e das aciarias também seria vital.

Os grandes meios de transporte também deveriam ser estatais, especialmente com a ressurreição da Rede Ferroviária Federal, a Lloyd, a velha Costeira, a reestatização dos portos, sistemas de bondes e metrôs de superfície etc, tal como ruas dedicadas unicamente ao transporte público.

Como ensinou Pio XI, na “Quadragesimo anno” (n. 114), os “princípios cristãos”, “com razão, pretendem que certos gêneros de bens sejam reservados ao Estado, quando o poderio [poder] que trazem consigo é tal, sem perigo do mesmo Estado, não podem deixar-se em mãos dos particulares”. A volta da Lloyd Brasileiro, da Cobra Computadores etc, tudo isso faz parte de boas fórmulas de grandes católicos. 

O Brasil precisa de trens, bondes e carros elétricos como mostra o livro “Veículos elétricos”, de Celso Bottura e Gilmar Barreto (Ed. Unicamp, 1989). Há a mesma idéia no filme “Quem matou o carro elétrico”, de Chris Paine. Especialmente carros elétricos com motores a pilha de lítio e também a biodiesel, carros mistos.

Deve haver impostos altíssimos e mesmo confisco e perdimento das fortunas ilícitas dos exploradores do povo. Combate duríssimo à corrupção. Estatização da indústria de cimento, criação de laboratórios estatais de remédios etc. O filme “Sicko”, do grande Michael Moore, mostra o bom exemplo da medicina pública da França, de Cuba, do Canadá e da Inglaterra.

A velha fórmula que todo monopólio deve ser estatal também tem bons fundamentos racionais e na teologia política. Esta fórmula foi ensinada por Pio XI, sendo seguida também por Barbosa Lima Sobrinho, pela Frente Parlamentar Nacionalista e outras boas correntes e expoentes. Monopólios, apenas os estatais. Trustes e cartéis são como grandes sanguessugas, grandes vermes, grandes gusanos.

A auditoria popular da dívida pública interna e externa é outro ponto-chave. A Igreja participou do Tribunal da dívida externa, em abril de 1999, no Rio de Janeiro, onde foi demonstrado que a dívida pública foi feita de forma ilegal e iníqua. A CNBB também participou do plebiscito de 07.09.2002, onde cerca de seis milhões de pessoas votaram contra o pagamento da dívida e deixaram claro que o orçamento público deve ser dirigido, como todos os bens públicos e privados, para atender às necessidades sociais, especialmente dos mais oprimidos. A dívida pública está em cerca de 1,4 trilhões de reais, em março de 2008. Vários bilhões são gastos com seu giro, enquanto que o gasto com educação e saúde pública fica em torno de 4% do PIB.

É importante a extinção do inquérito penal, da PM (deve haver polícia única, com uma seção fardada, para vigilância preventina; e outra à paisana, para investigações para fixar a autoria e a materialidade dos crimes.

É essencial a reestatização da indústria siderúrgica e a volta da FNM (“Fábrica Nacional de Motores”), criada por Getúlio Vargas. Os bens produtivos de grande poder devem ser estatais ou, não podendo ser (por alguma razão temporária), devem estar sob o controle público do Estado.