A Igreja é radicalmente contrária à globalização neocolonial neoliberal, pois quer uma organização PÚBLICA da economia mundial, com proteção à industrialização em todas as partes do mundo

Roger Garaudy, no livro “Do anátema ao diálogo” (Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1965, p. 63), transcreveu textos de Engels e Lênin reconhecendo, nas palavras explícitas e claras de Lenin, “o espírito revolucionário democrático do cristianismo primitivo”. Vejamos o texto de Garaudy:

Engels, em seus estudos sobre o cristianismo primitivo, não se enganou a respeito. Gilbert Mury, em um estudo sobre o Cristianismo Primitivo e o Mundo Moderno, assinalou adequadamente que Engels distinguia cla­ramente a “necessidade religiosa” (a fé) e a “filosofia de escola” (a ideologia) em seu artigo de 1892 sobre “Bruno Bauer e o Cristianismo Primitivo”.

“Analisando o cristianismo primitivo através do texto do Apocalipse, Engels mostra como ele foi elaborado com base em um protesto universal – embora impotente – contra uma exploração e uma opressão generalizadas.

Engels fala de um como que “elemento revolucionário” da “fé des­tas primeiras comunidades belicosas que difere de modo absoluto da que surgiu com a Igreja triunfante poste­rior… – tudo que é posterior é acréscimo ocidental, greco-romano”.

“Esta distinção é retomada muitas vezes no decorrer de sua demonstração: depois de ter evocado a fé primitiva do cristianismo apocalíptico como “ne­cessidade exaltada e confusa”, diz ele ainda: “A elaboração definitiva dos dogmas e da moral é obra de um período posterior.”

Lênin faz a mesma distinção quando fala, em “O Estado e a Revolução”, daqueles cristãos do século IV que esquecem “quando seu culto se torna re­ligião do Estado, o espírito revolucionário democrático do cristianismo primitivo” (“Obras”, vol. XXV, p. 454)”.

Friso apenas que Engels errou num ponto, a síntese do melhor do judaísmo com o melhor do acréscimo grego-romano (e fenício, persa, egípcio etc) já estava em curso antes de Cristo, e apenas foi ampliado com o cristianismo. O próprio São Paulo é prova disso, pois era judeu fariseu, estóico, e continuou estóico, estóico, judeu e católico, após a conversão. E a Igreja posterior manteve o espírito democrático original, como vou demonstrar em inúmeras postagens. 

Cláudia Furiati, na obra “Fidel Castro – uma biografia consentida” (Ed. Revan, Rio de Janeiro, maio de 2003, pp. 674-675), traz um texto de Fidel Castro que é uma paráfrase dos textos de Engels sobre o cristianismo primitivo:

O Papa não pode ser considerado o anjo exterminador de socialismos, comunismos e revoluções. Ele é um permanente crítico da globalização neoliberal, um implacável adversário do neoliberalismo. E muito nos alegramos com isso”.

“No dia 21 de janeiro, Fidel caminhou até a escada do avião para recebê-lo. Preocupado com que nada lhe ocorresse, ia ao seu lado ajustando o passo como a resguardá-lo. Em uma bandeja levada por crianças, João Paulo II beijou mostras da terra de todos os rincões da Ilha. Fidel, em breve discurso em um palanque erguido no aeroporto, resgatou o tempo da primitiva Igreja e a esta associou a Revolução:

Somos um povo que se nega a submeter-se ao império da mais poderosa potência econômica, política e militar da História, muito mais que a antiga Roma. Como aqueles cristãos atrozmente caluniados para justificar crimes, nós, tão caluniados como eles, preferiremos mil vezes a morte a renunciar às nossas convicções.

(…) Que podemos oferecer-lhe em Cuba, Santidade? Um povo com menos desigualdades, menos cidadãos sem amparo… um povo instruído a quem o senhor pode falar com toda a liberdade que desejar… Não haverá nenhum país mais preparado para compreender a sua feliz idéia: de que a distribuição eqüitativa das riquezas e a solidariedade entre os homens e os povos devem ser globalizadas… Bem-vindo a Cuba!”

Para demonstrar como Fidel cultiva o diálogo e como é ecumênico, vale a pena ler Gabriel García Márquez. Este autor, no artigo “O sermão de Fidel Castro”, escreveu: “em certa ocasião, diante de um grupo de congressistas dos dois partidos, de homens de negócios e até de um oficial do Pentágono, fez um balanço muito realista de como seus antepassados galegos e seus professores jesuítas infundiram nele princípios morais que tinham sido muito úteis na formação de sua personalidade, e concluiu: “sou um cristão”.

Fidel Castro defendeu, desde 1971, uma aliança estratégica entre cristãos e marxistas para superar o capitalismo, o latifúndio e o imperialismo.

Lênin reconheceu, pelo texto acima em sua obra mais importante “o espírito revolucionário democrático do cristianismo primitivo”. De fato, o “acréscimo ocidental” e as idéias de origem grega e romana, tiveram boas contribuições (adequadas às idéias implícitas no pensamento hebreu e cristão), mas, também, trouxeram erros. Um dos erros mais terríveis foi o direito de propriedade quiritário – absolutista, individualista e concentrador – que foi depois ressuscitado na Revolução Francesa, por influência dos fisiocratas e neoclássicos.

A Igreja (tal como toda associação ou estrutura social) deve ser democrática, participativa, com capilaridade e organizada em comunidades participativas.

As antigas paróquias tinham no máximo mil paroquianos. A Igreja deve ter diáconos e ministérios diversificados, Conselhos Deliberativos nas paróquias e nas dioceses e outras formas de participação dos leigos na gestão das estruturas eclesiais. Prestações de contas. Salários simples para os padres e bispos. Gestão democrática e participativa do dízimo etc. Deve ser retomada a idéia antiga e tradicional da eleição dos Bispos e aperfeiçoado o Colégio de Cardeais (usam uma faixa na cintura, um chapéu chamado solidéu, meias, batinas e mantas de sede, tudo de cor vermelha, entre escarlate e carmesim, simbolizando a disposição de derramar o sangue), ampliando a participação dos leigos na escolha dos Papas, na gestão dos bens da Igreja e no processo decisório. Neste sentido, vejamos um documento dos Bispos da França:

Com essa finalidade, por um lado, a Igreja da França empreendeu profundas revisões de seus funcionamentos e até mesmo reformas estruturais importantes, mediante a constituição dos conselhos de presbíteros [sacerdotes], dos conselhos diocesanos de pastoral, dos conselhos pastorais de paróquias e de setores. Por outro, verdadeiros cargos eclesiais são agora confiados a leigos, no domínio da catequese, da animação litúrgica e espiritual, sem esquecer as responsabilidades financeiras e administrativas.

“Muita coisa resta ainda por fazer para encontrar formas de organização, de consulta e de tomada de decisão adaptadas à natureza e à missão da Igreja. Todas as dioceses estão empenhadas nisto, freqüentemente graças ao impulso dado por numerosos sínodos” [texto retirado do livro de Pierre Debergé, “Ética do poder”, Paulinas, 2002, que cita o livro de Claude Dagens, “Proposer la foi dans la societé actuelle”, Paris, Cerf, 1996].

No fundo, o principal é “encontrar formas de organização, (…) de tomada de decisão”, na Igreja e no Estado, em cada unidade local e no mundo, com ampla participação, democráticas (afinal, o poder e os bens foram dado por Deus ao povo, cf. Suarez e outros).

“Formas de organização” são, no fundo, “formas jurídicas” de relações sociais (econômicas, políticas etc).

A propriedade (tal como o poder), como foi visto por Marx, é uma relação social (uma relação de produção), uma forma jurídica para o controle dos bens e a autodeterminação da sociedade. Exigir que a sociedade se autodetermine (pela difusão dos bens, inclusive o controle e o poder político) vale, assim, para as estruturas da Igreja e do Estado, tal como para todas as relações (produtivas etc) e estruturas sociais.

FRISO SEMPRE que a pequena propriedade pessoal e familiar é perfeitamente harmônica com um grande Estado social e econômico. Henry Carey deveria ter sido mais preciso – a pequena propriedade é harmônica com a grande propriedade estatal, com o bem comum.