Distinção entre trabalho material e trabalho imaterial, numa entrevista com Daniel Bensaid, do “Novo Partido Anticapitalista” na França

Colhi este texto da Revista Crítica Marxista, n. 30, de 15.04.2010. O texto é importante ao analisar o trabalho imaterial.

“H.A.: Qual é a relação entre trabalho material/imaterial e trabalho concreto e abstrato? Como a produtividade pode ser analisada em face das formas do trabalho cognitivo?

D.B.: Eu creio que não há relação alguma entre a noção de trabalho material e imaterial e a noção de trabalho abstrato e concreto.

Trabalho material e imaterial nos remete ao conteúdo de uma atividade; o trabalho concreto é todo aquele que produz bens úteis; já o abstrato é reduzido à sua medida pelo tempo, portanto, à sua medida abstrata. Nesse sentido, não vejo relação. Há, sim, uma confusão que tenta sobrepor a noção de trabalho material e imaterial à noção de trabalho concreto e abstrato.

Em relação à produtividade do trabalho, o trabalho imaterial pode ser tão produtivo quanto o material. Se a produção do trabalho é a produção de mais-valia, um trabalho imaterial explorado produz mais-valia como um trabalho material. Alguém que produz programas de computador é uma fonte de lucro para a Microsoft. Se você tem um grupo de pesquisadores assalariados que produzem programas para a Microsoft, você tem produção de mais-valia. Portanto, desse ponto de vista, essa história do trabalho imaterial, desde o momento em que começou a ser utilizada, trouxe muitas confusões.

Na realidade, o debate sobre o trabalho produtivo e improdutivo frequentemente é muito mal compreendido.

Não é apenas produtivo aquele trabalho que produz bens materiais. O exemplo mais chocante, mais surpreendente e mais conhecido está no Capítulo inédito de O capital, em que Marx utiliza o exemplo da cantora assalariada e, se ela é assalariada, seu trabalho
é produtivo. Seu trabalho é totalmente imaterial. Seu canto desaparece assim que ela canta. Exceto hoje, depois de Marx, em que se desenvolveu a indústria do disco e agora a de telecarregamento. A ideia é que mesmo o emprego da voz pode ser considerado um trabalho produtivo se existe uma relação salarial entre empregado e empregador. Portanto, em primeiro lugar, não, isto não tem nada a ver com a materialidade do trabalho. Em segundo, a noção de trabalho produtivo em Marx é delicada, pois é considerada por ele de forma contraditória.

O transporte das mercadorias é considerado um trabalho produtivo, pois se não se leva o
produto ao seu ponto de venda, a mais-valia não pode se realizar. Nesse sentido, a divisão entre produtivo e improdutivo é um tanto quanto arbitrária. Deveríamos parar no momento em que o trabalhador leva mercadoria ao ponto de venda ou considerar que se não há o trabalhador que coloca as mercadorias nas prateleiras elas também não poderão ser vendidas?

Trata-se, assim, de um ponto delicado de se lidar, que não remete à materialidade ou imaterialidade do trabalho e que não permite determinar as classes sociais.

Já houve tentativas de se fazer uma teoria das classes sociais a partir do livro II de O capital, baseando-se exclusivamente na relação entre trabalho produtivo e improdutivo. Isso me parece um absurdo.

Não é por acaso que o capítulo sobre as classes, se Engels soube interpretar o plano de Marx, vem muito tarde, no livro III de O capital, integrando as diferenças de renda e o conjunto do circuito de reprodução social.

Não compreendo, então, como poderíamos parar no livro II e nos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo para determinar quem faz parte da classe operária ou não.

A consequência é que com frequência essas noções de trabalho produtivo e improdutivo foram utilizadas política e ideologicamente para compor uma definição restritiva de classe operária, que o Partido Comunista utilizava claramente na França para designar somente os operários da indústria, excluindo os employés, os empregados do comércio, as enfermeiras, os empregados dos correios etc.

Eu tinha primos que eram operários da indústria, mas que não trabalhavam diretamente na produção, eles faziam manutenção das máquinas, que, inclusive, estavam no Partido Comunista e na CGT. Diziam que não eram verdadeiros operários, verdadeiros proletários porque cuidavam da manutenção para a produção.

Aqui temos uma definição do movimento operário tipicamente obreirista e restritiva que tem o papel de autolegitimar, sobretudo, o Partido Comunista como representante da classe operária, sendo todo o resto pequena burguesia etc”.