BABEUF defendia economia mista, era contra as “fortunas colossais”, queria difundir bens, queria uma organização social da produção regrada pela igualdade social. Suas ideias centrais eram ideias católicas de bem comum

“No livro G. Babeuf, o tribuno do povo (editado pela Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1977, p. 48), foi possível colher os seguintes textos de Babeuf, repletos de ideias religiosas, defendendo um socialismo com economia mista:

“(…) Assentamos em que a perfeita igualdade decorre do direito primitivo.

que o pacto social, longe de atentar contra este direito natural, apenas deve dar a cada indivíduo a garantia de que tal direito jamais será violado, que a partir de então jamais deveria ter havido instituições que favorecessem a desigualdade, a cupidez, que permitissem que o necessário de uns pudesse ser invadido para formar o supérfluo de outros. (…)

Verificamos, todavia, que tinha acontecido o contrário; que convenções absurdas se tinham introduzido na sociedade e haviam protegido a desigualdade, permitido a espoliação da maioria pela minoria;

que houve épocas em que as derradeiras consequências dessas mortíferas regras sociais consistiram em que a universalidade das riquezas de todos se encontrava concentrada nas mãos de alguns;

em que a paz, natural quando todos são felizes, se encontrava então necessariamente ameaçada; em que a massa do povo, impossibilitada de sobreviver, desapossada de tudo, reencontrava na casta que tudo açambarcou apenas corações desapiedados; todos estes efeitos provocaram o aparecimento da época das grandes revoluções, dos períodos memoráveis, profetizados no Livro dos tempos e do destino, quando uma subversão geral de todo o sistema de propriedade se torna inevitável, quando a revolta dos pobres contra os ricos é de uma necessidade invencível.

(…) É mais do que tempo. É tempo de o povo, espezinhado e assassinado, manifestar, de uma maneira mais imponente, mais solene, mais geral, que jamais se cumpriu a sua vontade, para que, não somente os sinais, os adereços da miséria, mas a realidade, a própria miséria, seja eliminada. Que o povo proclame o seu Manifesto. Que nele defina a democracia como considera que a deve ter e tal como, segundo os puros princípios, deve existir. Que prove que a democracia consiste na obrigação de satisfazer, pelos que têm demasiado, tudo quanto falta aos que de modo algum possuem o suficiente! Que todo o deficit que se encontra na fortuna desses apenas provém do que aqueles lhe roubaram.

Roubo legal, se assim se quer, isto é, graças a leis de salteadores que, sob os regimes mais recentes como sob os mais antigos, permitiram todos os latrocínios; graças a leis iguais a todas as que existem presentemente; graças a leis segundo as quais sou forçado, para viver, a desfazer-me todos os dias de mais um pouco da minha casa, de levar a todos os ladrões que tais leis protegem até ao último farrapo que me cobre! Que o povo declare que exige a restituição de todos roubos, dessas vergonhosas confiscações dos ricos sobre os pobres. Tal restituição será tão legítima, sem dúvida, quanto a que é feita a emigrados.

Através do restabelecimento da democracia, queremos, em primeiro lugar, que os nossos farrapos e os nossos velhos móveis nos sejam devolvidos e que esses que deles se apropriaram fiquem no futuro impossibilitados de recomeçar semelhantes atentados. Queremos, depois, isso a que temos direito e de acordo com o que se tem por justo.

(…) Explicaremos claramente em que consiste a felicidade comum, fim da sociedade.

Demonstraremos que o destino de qualquer homem não devia piorar com a passagem do estado natural ao estado social.

Definiremos a propriedade.

Provaremos que a terra não pertence a quem quer que seja, mas sim a todos.

Provaremos que tudo quanto um indivíduo se apropria além do que lhe é suficiente para o sustentar constitui um roubo social.

Provaremos que tudo quanto um membro do corpo social possui abaixo do que lhe basta para satisfazer as suas necessidades de todo o gênero e de todos os dias resulta de uma espoliação da sua propriedade natural individual realizada pelos espoliadores dos bens comuns.

(…) Que, na mesma ordem de consequência, tudo quanto um membro do corpo social possui acima do que lhe basta para satisfazer as suas necessidades, de todo o gênero e de todos os dias, resulta de um roubo realizado aos outros coassociados, que necessariamente priva um número maior ou menor da sua cota-parte nos bens comuns.

Que quaisquer raciocínios, por mais sutis que sejam, não podem prevalecer contra estas inalteráveis verdades.

Que foi assim que, no estado social, se destruiu, se arruinou, o equilíbrio do bem-estar, uma vez que nada se prova melhor do que a nossa grande máxima: não se consegue possuir demasiado sem fazer com que outros não possuam o suficiente.

Que é claro, pelo que precede, que tudo quanto possuem os que têm haveres para além da sua cota-parte individual nos bens da sociedade constitui roubo e usurpação.

Que, por consequência, é justo reavê-lo.

Que, mesmo quem provasse que, por efeito unicamente das suas forças naturais, seria capaz de fazer tanto quanto quatro e que, por conseguinte, exigisse a retribuição de quatro, nem por isso seria menos um conspirador contra a sociedade porque, por esse único meio, lhe destruiria o equilíbrio e, assim, a preciosa igualdade.

(…) Que não existe verdade mais importante do que a que (…) um filósofo proclamou nos seguintes termos: discorrei tanto quanto vos apeteça acerca da melhor forma de governo, nada conseguireis enquanto não destruirdes os germes da cupidez e da ambição.

Que é preciso, portanto, que as instituições sociais consigam suprimir em todo o indivíduo a esperança de se tornar alguma vez mais rico, mais poderoso, mais culto do que qualquer dos seus iguais.

Que, para precisar melhor isto, importa conseguir acorrentar a sorte, tornar a de cada parceiro social independente dos acasos e das circunstâncias felizes e infelizes, assegurar a cada qual e à sua posteridade, por mais numerosa que seja, a suficiência, mas nada mais do que a suficiência, e fechar para quem quer que seja todas as vias possíveis para que jamais obtenha além da cota-parte individual nos produtos da natureza e do trabalho.

(..) Dominadores culpados! No momento em que julgais poder, sem perigo, descarregar os vossos braços de ferro sobre este povo virtuoso, ele far-vos-á sentir a sua superioridade, libertar-se-á de todas as vossas usurpações e das vossas algemas, readquirirá os seus direitos primitivos e sagrados. Desde há demasiado tempo que beneficiais da sua magnanimidade, há demasiado tempo que insultais a sua agonia.

(…) Repitamo-lo ainda: todos os males atingiram o auge, já não podem piorar, apenas podem interromper-se através de uma subversão total. Que então tudo se confunda (…), que todos os elementos se misturem, se embaralhem, se entrechoquem! (…) Que tudo mergulhe no caos e que do caos saia um mundo novo e regenerado! (O Tribuno do Povo, n° 35, 30 de novembro de 1795). (…)

Quanto charlatanismo, quanta astúcia, quantas grosseiras mentiras, quantos desajeitados sofismas, quantas calúnias vulgares, quantas frases banais nessa proclamação do Diretório acerca dos escritos, discursos e reuniões pretensamente sediciosos!

Pretendeu-se com isso fazer crer que pedíamos a pilhagem da mais pequena loja e da mais modesta habitação, como se não pertencesse apenas ao governo ter sabido realizar habilmente tal pilhagem.

Como se, pelo seu regime de fome, não tivesse encontrado o segredo de fazer transportar para a casa do agiota e de todos os tratantes endinheirados, pelos próprios infelizes, tudo quanto possuíam nas suas modestas habitações e nas suas pequenas lojas.

Como se ainda lá se encontrasse alguma coisa para pilhar. Como se, diferentemente do que procura o governo, não tivéssemos sempre claramente anunciado que queríamos restabelecer, fortificar as pequenas lojas e as modestas habitações, fazendo lá entrar pelo menos o equivalente do que a ladroeira legal delas fez sair. Como se todas as fortunas comuns não devessem ficar absolutamente garantidas pelas nossas francas declarações. Como se não tivéssemos dito sempre que pretendíamos demolir apenas as fortunas colossais e melhorar todas as outras.”

VOU TRANSCREVER DE NOVO – “Pretendeu-se com isso fazer crer que pedíamos a pilhagem da mais pequena loja e da mais modestas habitação, como se não pertencesse apenas ao governo ter sabido realizar habilmente tal pilhagem”. Ou seja, BABEUF não queria, DE FORMA ALGUMA, tocar nas pequenas lojas e nas habitações simples das pessoas.

AO CONTRÁRIO. Babeuf queria fortalecer a economia pessoal, solidária, a cota-parte de cada pessoa no bem comum. Por isso BABEUF escreveu – ” queríamos restabelecer, fortificar as pequenas lojas e as modestas habitações, fazendo lá entrar pelo menos o equivalente do que a ladroeira legal delas fez sair. Como se todas as fortunas comuns não devessem ficar absolutamente garantidas pelas nossas francas declarações. Como se não tivéssemos dito sempre que pretendíamos demolir apenas as fortunas colossais e melhorar todas as outras.”

Babeuf e sua Conspiração queriam era “demolir apenas as fortunas colossais e melhorar todas as outras”. 

Babeuf, com Buonarotti, considerava como sinônimos os termos “bem comum” e “comunidade de bens”, como está claro no “Manifesto dos iguais” e também no “Manifesto dos plebeus”.

Como foi demonstrado neste blog, o bem comum, a comunhão natural dos bens, era o mesmo conceito usado pelos Santos Padres, o princípio da destinação universal dos bens, ou seja, Deus fez tudo para todos.

Os bens devem ser usados de acordo com as necessidades das pessoas (conforme o direito a uma existência digna, como ensinou Paulo VI, na “Pacem in Terris”), seguindo o princípio bíblico (duas vezes expresso no livro “Atos dos Apóstolos”, para descrever as comunidades modelares do cristianismo primitivo): “a cada um de acordo com suas necessidades” (que Marx e Engels, e também Lênin e Stalin, consideravam como o princípio-regra fundamental do comunismo, de todo socialismo, e é UMA REGRA FUNDAMENTAL BÍBLICA, DA ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO).

       Praticamente nessa linha, São Tomás de Aquino, no livro Summa teológica, 11-11, Questão 47, X, 2, escreveu: “quem busca o bem comum da multidão busca também como consequência o próprio bem por duas razões: 1°.) porque o bem próprio não pode existir sem o bem comum, seja da família, seja da cidade ou do reino, por isso Valério Máximo disse dos antigos romanos que “preferiam ser pobres em um império rico, que ricos em um império pobre”; 2°.) porque, sendo o homem parte da casa ou da cidade, deve considerar como bem próprio o que considera prudente para o bem da multidão”, do povo, da sociedade, da comunidade.

       A sociedade — ao estruturar o Estado e o ordenamento jurídico positivo, para se organizar juridicamente e obter o constrangimento (e os impulsos positivos) necessário para conter vícios e animar virtudes — deve proporcionar a cada pessoa ou grupo as condições (bens) que necessitam para realizar o bem pessoal de cada um.

       A justiça social (OU SEJA, AS REGRAS RACIONAIS PARA A REALIZAÇÃO DO BEM COMUM, POIS ESTE É CONCEITO CATÓLICO DE JUSTIÇA) exige a regulamentação estatal (planejamento participativo) dos bens para a promoção do bem comum, ponto totalmente esquecido pelo liberalismo econômico, que não tem nem compaixão e nem senso de justiça.

   Logo, quando os primeiros cristãos (o cristianismo primitivo, considerado revolucionário e comunista por Engels) se reuniam nas primeiras igrejas (tendo tudo em comum, distribuindo os bens de acordo com as necessidades de cada um e com ampla cooperação social), não significa que estatizavam (dando atribuições exclusivas a uma pessoa jurídica abstrata e alienada do povo, verniz para burocratas) todos os bens, e sim que distribuíam (davam o controle, atribuições, poder efetivo, ao povo) largamente, reduzindo a propriedade a uma mera administração (gestão, uso) com muitos deveres sociais (sujeição ao bem comum, à soberania da sociedade).

Usavam os bens para satisfazer as necessidades básicas, que distribuíam largamente, atentos aos deveres sociais (no fundo, formas de planificação participativas, consensuais). Até mesmo aceitavam pagar tributos e respeitavam as propriedades públicas, somente exigindo que o Estado estivesse submetido ao direito (no fundo, subordinação à soberania do povo), que chamavam de “vontade Deus”, pois Deus fala pelos movimentos naturais das consciências, da razão.

       Não era permitido o supérfluo individual (o luxo) e nem a miséria. O ideal buscado era, assim, o de igualdade social, a mediania, como recomenda o Antigo Testamento (ver “Provérbios”, capítulo 32, os textos de Moisés, profetas e outros) e o Novo Testamento.

O IDEAL DA IGREJA, expresso inclusive nos textos de Babeuf, que teve formação católica, é um ideal de ECONOMIA MISTA, onde todos têm pequenos bens, há um vasto Estado social e econômico, estatais, cooperativas, há planos econômicos, tributos, há uma organização social da produção, que não elimina as liberdades pessoais, concretas, e sim as difunde. Só proíbe a exploração das pessoas, a espoliação. Erradica a miséria e as grandes fortunas privadas. Um regime baseado na mediania, na igualdade social, na liberdade pessoal e social.