A Igreja é ecumênica, sintética, eclética, mista, dialógica, pautada por boas sínteses nascidas do diálogo

O padre Hans Küng foi um dos melhores especialistas em ecumenismo.

Vejamos alguns de seus textos, extraídos do livro “Igreja católica” (editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, pp. 163, 197, 201, 226-227 e 252):

Hoje sei que se teria chegado a um acordo sobre a questão da justificação, como afirmei em minha dissertação de doutoramento Justification (Justificação), em 1957, e como foi confirmado pelo documento de consenso produzido em 1999, após as conversações entre católicos-romanos e luteranos [Küng menciona um acordo sobre a graça entre católicos e luteranos, o que demonstra a importância do diálogo]. [p. 163] (…)

Qual era a alternativa? Acima de tudo, o abade Henri-Baptiste Baptiste Grégoire trabalhou para uma reconciliação da Igre­ja com a democracia no espírito dos ideais do cristianismo mais antigo; como bispo, ele era um líder espiritual da igreja constitucional. Mas esta alternativa não teve chance. Muitas das preocupações de Grégoire só seriam estabelecidas pelo Concílio Vaticano II.

Desde então, pode-se também afirmar abertamente que “liberdade, igualdade e fraternidade” – há muito vilipendiadas – têm uma base no cristianismo primitivo – embora, como vimos, na igreja, isso fosse encoberto num estágio muito inicial com estruturas de poder hierárquicas.[p. 197] (…)

No século XIX, sem dúvida houve um ressurgimento de forças religio­sas no clero e no laicato, entre as ordens religiosas, no movi­mento missionário, nas obras de caridade e na educação, e, especialmente, na devoção popular. As associações da igreja, com uma quantidade de iniciativas religiosas, sociais e indire­tamente políticas, eram típicas desse período, especialmente na Alemanha; a principal entre elas era a Associação do Povo Católico, de fato a maior associação católica do mundo. Desse modo, um importante movimento se desenvolveu no catolicismo alemão, particularmente sob a influência do bispo Wilhelm Emmanuel von Ketteler de Mainz. Este movimento fez da igreja a advogada dos pobres e das classes inferiores carentes. [p. 201]. (…)

Com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica – apesar de todos os obstáculos e dificuldades colocados pelo sistema romano medieval – tentou implementar duas mudanças de paradigma de uma vez: integrou característi­cas fundamentais do paradigma da Reforma bem como do Iluminismo e da modernidade.

Antes de mais nada, integrou o paradigma da Reforma. Foi reconhecida a cumplicidade católica na divisão da igreja, como o foi a necessidade de reforma constante. Ecclesia sem per reformada, a constante renovação da igreja na vida e na doutrina segundo o evangelho era agora a postura católica demais associações cristãs foram finalmente reconhecida como igrejas. Reclamou-se uma atitude ecumênica de toda a Igreja Católica. Ao mesmo tempo, adotou-se uma série de preocupações centrais do evangelho, pelo menos em tese e muitas vezes também na prática: houve um novo res­peito pela Bíblia no culto, na teologia e na vida da igreja, como na vida de cada fiel em geral. Houve um culto autênti­co para as pessoas, em vernáculo, e uma celebração reforma­da da eucaristia relacionada com a comunidade. Houve uma revalorização do laicato através de conselhos paroquiais e diocesanos e a admissão dos leigos ao estudo da teologia. A igreja foi adaptada às condições nacionais e locais por uma ênfase na igreja local e nas conferências nacionais de bispos. Final­mente, houve uma reforma da devoção popular e uma abo­lição de muitas formas de devoção da Idade Média, do período barroco e do século XIX.

Houve também uma integração do paradigma moder­no. Eis alguns princípios fundamentais. Houve uma clara afirmação de liberdade de religião e consciência e de direi tos humanos em geral, que havia sido condenada por Pio XII em 1953. Houve um reconhecimento fundamental de cumplicidade no anti-semitismo e uma inclinação positiva em relação ao judaísmo, do qual deriva o cristianismo. Mas houve também uma nova atitude construtiva em relação ao Islã e outras religiões mundiais. Reconheceu-se que, em princípio, a salvação também é possível fora do cristianis­mo, até para ateus e agnósticos, se eles agirem de acordo com sua consciência. Houve também uma atitude fundamentalmente positiva em relação ao progresso moderno, proscrito há muito, e ao mundo secular, à ciência e à demo­cracia em geral. [pp. 226 a 227]. (…)

Entretanto, a pergunta “para onde está indo a Igreja Católica?” será entendida de modo equivocado como sen­do exclusivamente preocupação da igreja a menos que, ao mesmo tempo, se pense num outro problema abrangente: “para onde está indo a humanidade?” Aqui, para mim pes­soalmente, o caminho não é, digamos, “da igreja global para uma ética global”, mas “com a igreja mundial para uma ética global”.

É a busca de uma ética comum para a huma­nidade que pode ser apoiada por todas as igrejas e religiões – aliás, também por não-crentes. Nosso globo não pode so­breviver sem uma ética global, uma ética mundial.

Portanto a Igreja Católica deve apoiar:

uma ordem mundial social: uma sociedade em que os seres humanos tenham direitos iguais, vivam em solidarie­dade uns com os outros e em que seja reduzido o abismo crescente entre ricos e pobres;

uma ordem mundial plural: uma diversidade recon­ciliada de culturas, tradições e povos na Europa, em que não haja lugar para anti-semitismo e xenofobia;

uma ordem mundial em parceria: uma renovada as­sociação de homens e mulheres na igreja e na sociedade, na qual, em todos os níveis, as mulheres tenham a mesma responsabilidade que os homens e na qual possam dar livremente a contribuição de seus talentos, insights, valo­res e experiências;

uma ordem mundial que promova a paz: uma socieda­de em que se dê apoio ao estabelecimento da paz e à solução pacífica de conflitos e uma comunidade de povos que contri­buam com solidariedade para o bem-estar dos outros;

uma ordem mundial que trate bem a natureza: uma associação dos seres humanos com todas as criaturas, na qual seus direitos e sua integridade também sejam observados;

uma ordem mundial ecumênica: uma comunidade que crie os pressupostos para uma paz entre as nações através de uma unidade de confissões e da paz entre as religiões”. [pp. 252-253].

Meu comentário – a Igreja deve, assim, lutar por uma democracia social (o velho nome do socialismo), por um socialismo participativo (democrático, comunitário, autogestionário, com o primado do trabalho e do bem comum), que concilie os direitos fundamentais de várias gerações (direitos civis, políticos, sociais, culturais, ambientais, econômicos etc).

A base fundamental deste socialismo humanista (participativo, distributista e comunitário) é o princípio da destinação universal dos bens e a soberania do povo (cf. a teoria da delegação de Suarez, de Santo Ambrósio e de outros).

Os católicos defendem uma SÍNTESE, economia mista, – uma organização econômica que reúna o máximo de socialização (destinação universal dos bens, comunhão) com o máximo de personalização, respeito às pessoas concretas, às liberdades, às pequenas propriedades pessoais e familiares, ao pequeno comércio, a agricultura familiar, o artesanato, a pequena burguesia, os camponeses, os pequenos prestadores de serviços, os pequenos lojistas, os pequenos produtores, o micronegócio, o empreendedorismo, o florescimento da liberdade humana etc.