O “Círculo Social”, outro marco religioso, da história do socialismo

O “Círculo Social” foi fundado por dois grandes padres, Nicolas de Bonneville e Claude Fauchet, que apenas davam continuidade à linha de outros padres como Mably, Morelly, Raynal, Siyès, Condillac (irmão de Mably), o Cura Vermelho Roux e outros.

Estes padres, tal como outros, foram precursores do socialismo, do socialismo pré marxista, estando na origem de boa parte das ideias boas de todas as correntes do socialismo, inclusive do marxismo (que tem, assim, raízes religiosas, parte de suas ideias são bíblicas e oriundas de padres). 

Segundo Milton Meira do Nascimento (um professor de ética e filosofia política na USP), estes dois sacerdotes fundamentavam suas idéias na:

tradição do povo franco, que tinha o costume de redistribuir as terras eqüitativamente todos os 6 anos, para impedir que os grandes estendessem seus domínios e os pobres não tivessem para onde ir e para que o povo mantivesse o espírito de igualdade e não se acomodasse com a fixação num só lugar, o que poderia conduzi-lo a toda espécie de vícios e deixá-lo despreparado para a guerra. Além disso, entre o povo franco, a divisão igualitária da terra era seguida de um culto à natureza, pois os francos reconheciam nela o próprio espírito criador, o pai de toda espécie humana, que Ihe oferecia o pão todos os dias e a esperança de uma vida feliz. O nome da natureza, segundo Bonneville, é o mesmo do Deus de Abraão, Jehova, aquele que é. Diz ele:

“Aceitai pois em vossa consciência a explicação simples e natural do nome Jehova, que, proclamado no universo inteiro por um povo livre, instrumento da verdade, deve enfim consolar a espécie humana e afastar dos homens todos os vícios. Jehova, Jehova! Os homens íntegros te prestam um culto eterno. Teu nome é a palavra de ordem e a lei dos Francos… agrária”.

Bonneville tinha razão. Na própria Idade Média, tal como antes, nas vilas e aldeias, os camponeses tinham lotes próprios e existiam terras comunitárias, da aldeia (do Município, hoje), ou seja, terras próprias e terras comunitárias (públicas), economia mista, uma reforçando a outra. 

A idéia de repartição periódica da terra comunitária, no fundo cooperativismo, é recomendada nos textos de Moisés (sobre o Jubileu) e existiram em quase todas variedades do modo de produção comunitário e também em praticamente todas as espécies do modo de produção asiático.

Moisés queria um povo camponês e artesão, senhor dos próprios meios de produção e das próprias condições de trabalho. A cada 49 anos, a terra retornava a família original, evitando os latifúndios, as grandes fortunas privadas. Também existiam terras comunitárias, públicas, entre os judeus, tal como entre outros povos camponeses. 

Como escreveu o prof. Meira, “a afirmação de que a própria divindade exigia a divisão igualitária da terra dava a essa proposta uma dimensão extraordinária. Nesses termos, fazer a verdadeira revolução significava fazer o povo francês redescobrir as suas origens, que remontam à história do povo franco”.

Meu comentário – o termo “Jehova”, no entanto, deveria ter sido corrigido para Javé, que é o termo mais correto para designar o Deus dos hebreus e dos cristãos (o nome do Pai).

Robespierre também defendia o culto ao Ser Supremo (a Deus), condenando o ateísmo. Esta condenação era apoiada pelos membros do Círculo Social.

Boneville e Fauchet eram sacerdotes. Boneville tornou-se bispo constitucional. Nicolas de Bonneville (1760-1828) escreveu o livro “Do espírito das religiões, obra prometida e necessária para a confederação universal dos amigos da verdade”, em 1791.

Segundo vários autores, este livro influenciou Hegel.

Bonneville dirigia o jornal “A boca de ferro”. O Círculo Social durou de outubro de 1790 até junho de 1793. O livro de Bonneville criticava a divisão iníqua da propriedade e do trabalho. O Círculo Social tinha o apoio de pessoas como o padre Sieyès, Thomas Paine e Brissot e foi uma das fontes religiosas do marxismo.