Texto ótimo de Bresser sobre a importância da taxa cambial, real desvalorizado, para neutralizar a doença holandesa

Texto sobre linhas gerais de uma boa política macroeconômica, texto tirado da revista “CADERNOS do DESENVOLVIMENTO, Rio de Janeiro, v. 11, n. 19, pp.145-165, jul.-dez. 2016”, de Bresser Pereira. 

“Política macroeconômica
A política macroeconômica novo-desenvolvimentista visa manter “certos” os cinco preços macroeconômicos – certos não porque determinados no mercado, porque este definitivamente não os assegura, como podemos ver pelas infindáveis crises econômicas e financeiras, mas de acordo com as breves definições dadas acima.
Os objetivos da política macroeconômica são o pleno emprego e a estabilidade financeira e de preços. Para atingi-los, o novo-desenvolvimentismo não tem grande coisa a acrescentar à política monetária e a política fiscal pós-keynesianas. É importante, apenas, assinalar que a macroeconomia desenvolvimentista enfatiza a responsabilidade fiscal, ou seja, o equilíbrio no longo prazo da despesa pública, que deve observar um comportamento contracíclico, e a manutenção da dívida pública em um nível razoável. Para o  Teoria novo-desenvolvimentista: uma síntese novo-desenvolvimentismo déficits fiscais crônicos constituem populismo fiscal.

A política cambial, que a ortodoxia liberal rejeita, é central para o novo-desenvolvimentismo. Não defende guerra cambial, mas defende que a taxa de câmbio flutue em torno do equilíbrio industrial.

Para isso – para tornar competitivas as empresas produtivas ou competentes – a política cambial deve neutralizar a doença holandesa e, mais amplamente, a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, que também é causada pelas três políticas habituais.

Para neutralizar a doença holandesa de maneira completa é essencial o estabelecimento de um imposto ou retenção cambial correspondente à gravidade dessa desvantagem competitiva. Esse imposto eleva o valor do equilíbrio corrente, ou seja, do custo mais lucro satisfatório das empresas que participam do comércio exterior do país, tornando-o igual ao equilíbrio industrial. Para evitar que o país incorra em déficit em conta-corrente, a rejeição das três políticas habituais, geralmente apoiadas pela ortodoxia liberal, deve ser clara e decidida.

São muitos os objetivos da política macroeconômica, mas se fosse permitido ao policymaker definir apenas um objetivo, este não seria a meta de inflação, nem a meta de crescimento, mas a meta de saldo em conta-corrente, que deverá ser zero se o país não sofrer da doença holandesa, e deverá ser tanto mais superavitário quanto maior for a gravidade da doença holandesa, ou seja, quanto maior for a diferença entre o equilíbrio corrente e o industrial.

O novo-desenvolvimentismo não tem uma política fiscal original. Rejeita déficits públicos crônicos e adota a teoria pós-keynesiana. No curto prazo, a política fiscal deve ser rigorosamente contracíclica; no longo prazo, deve apresentar uma poupança pública que, somada a um déficit primário que não aumente a relação dívida pública/PIB, financie de modo satisfatório os investimentos públicos necessários, os quais devem, em princípio, variar entre 20% e 25% do investimento total.

Já ao criticar déficits em conta-corrente e ao defender ou o equilíbrio ou o superávit em conta-corrente (dependendo de ter ou não doença holandesa) o novo-desenvolvimentismo é original e contraintuitivo. E defende a responsabilidade fiscal não apenas como forma de proteger o Estado, mas também de o tornar o resultado fiscal coerente com o resultado da conta-corrente. Quando a taxa de câmbio está equilibrada tende a ocorrer o fenômeno dos déficits gêmeos.

Como o objetivo é um superávit em conta-corrente, tenderá a haver igualmente um superávit fiscal, mas um pequeno déficit público, que não aumente a relação dívida pública/PIB, é desejável.

O novo-desenvolvimentismo defende uma carga tributária relativamente alta, que financie os grandes serviços sociais universais. Não apenas porque esses grandes serviços são mais justos, mas também porque são mais econômicos do que aumentar salários. Entende, porém, que o aumento da carga tributária não deve ser resultado de fait accompli, mas fruto de discussão e negociação política.

Em sociedades que pressupomos serem democráticas, o capitalismo não pode ser apenas desenvolvimentista; ele precisa ser também social. E surge um problema no curto prazo: há relação inversa entre taxa de câmbio e salário real.

Entretanto é preciso considerar que essa mesma relação existe para os rendimentos dos rentistas: juros, dividendos, aluguéis.

Quando a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio é neutralizada e os cinco preços macroeconômicos são colocados no lugar certo, a taxa de lucro das empresas comercializáveis não-commodity aumenta e os demais rendimentos caem no curto prazo. É preciso aceitar esse sacrifício no curto prazo.

Mas o novo-desenvolvimentismo é necessariamente social, e por isso defende políticas ativas de diminuição das desigualdades que, se deixadas por conta do mercado, são muito elevadas. Que políticas são essas? Não são a expansão fiscal como solução mágica para todos os problemas, muito menos a austeridade em todas as circunstâncias, mas o aumento das despesas sociais do Estado e seu financiamento por um sistema de impostos progressivos. O que torna as sociedades escandinavas muito mais iguais do que a americana não são políticas fiscais expansionistas, uma elevada carga tributária e impostos progressivos”.