Destinação universal dos bens, bens para todos, estatais, pequenas propriedades etc

A destinação universal dos bens é a tarefa primária da sociedade, do Estado, de todas as instituições e das pessoas. Erradicar a miséria e as grandes fortunas privadas. Sociedade com mediania, com igualdade social. 

As idéias-forças que movem a CNBB e órgãos do Vaticano, tal como toda a Igreja, estão bem explícitas em vários documentos.

Por exemplo, no documento do Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, órgão do Vaticano, “Para uma melhor distribuição da terra – o desafio da reforma agrária” (edição resumida e simplificada, publicada pelo Setor Pastoral Social da CNBB, São Paulo, Editora Paulinas, p. 28):

… Na verdade, segundo a linguagem bíblica, “sujeitar” e “dominar” são verbos que servem para descrever o domínio do rei sábio, que cuida do bem-estar de todos os seus”.

O homem e a mulher devem cuidar da criação, para que ela sirva a eles e fique à disposição de todos, não somente de alguns”.

“23. O sentido profundo da criação é ser ela um dom de Deus ao ser humano. Um Dom para todos. E Deus quer que permaneça assim. Por isso, a primeira ordem de Deus manda conservar a terra na sua natureza de Dom e bênção. Ele não quer que ela seja transformada em instrumento de poder ou em motivo de divisão”.

“O direito-dever da pessoa humana de dominar a terra vem do seu ser imagem de Deus: cabe a todos, e não só a alguns, a responsabilidade da criação. No Egito e na Babilônia, essa qualidade era dada a alguns. No texto bíblico, pelo contrário, o domínio pertence à pessoa humana enquanto tal e, por isso, a todos”.

“É a humanidade no seu conjunto que deve sentir-se responsável pela criação. (…)”.

“… E o homem não é o verdadeiro dono da sua terra. Ele é um administrador”.

“O verdadeiro dono é Deus”.

“Lê-se no Levítico: “As terras não poderão ser vendidas definitivamente, porque a terra é minha e vós sois como estrangeiros e inquilinos na minha casa” (25,23). (…)

“25. Desta mensagem tiramos ensinamentos claros. Por um lado, ninguém pode tirar a posse da terra que uma família está usando. Se alguém faz isso, viola um direito divino; nem mesmo o rei o pode fazer”.

“Por outro lado, é negada qualquer forma de posse absoluta e arbitrária, só para vantagem própria: não se pode fazer o que se quer dos bens que Deus deu a todos”.

“É a partir desta base que a legislação introduz, de vez em quando, e sempre em relação a situações concretas, muitas limitações ao direito de propriedade”.

“Alguns exemplos: a proibição de colher frutos de uma árvore durante os primeiros quatro anos (cf. Lv. 19,23-25); o convite a não ceifar até às extremidades do campo, e a proibição de colher fruto e espigas esquecidos ou caídos no chão, porque pertencem aos pobres (cf. Lv. 19,9-10; 23,22; Dt. 24,19-22). (….)

“A destinação universal dos bens e a propriedade particular”

“28. Os frutos da desordem atual confirmam que é preciso chamar a atenção de toda a humanidade para os princípios de justiça, em particular para o princípio da destinação universal dos bens”.

“A doutrina social da Igreja assenta a ética das relações de propriedade sobre os bens da terra na mensagem bíblica. A terra é um Dom de Deus a todos os seres humanos”.

Deus destinou a terra, com tudo o que ela contém, para o uso de todos os homens e povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, com eqüidade, sob as regras da justiça, inseparável da caridade. Por isso… deve-se atender sempre a esta destinação universal dos bens” (Gaudim et Spes, 1965, n. 69)”.

O direito ao uso dos bens terrenos é um direito natural de cada ser humano, um direito primário, de valor universal. Não pode, por isso, ser violado por nenhum outro direito de conteúdo econômico; deve, antes, ser protegido e garantido por meio de leis e instituições.”

Meu comentário – as “leis e instituições” – toda a estrutura estatal, o ordenamento jurídico positivo, as situações jurídicas etc – têm como finalidade primária assegurar e promover o bem comum. Em outras palavras, devem assegurar “o direito [natural e humano] ao uso dos bens terrenos”, que é “um direito natural de cada ser humano, um direito primário, de valor universal”.

Para isso, a sociedade, pela mediação do Estado, deve explicitar as regras da ética (“norma agendi”) e regular o uso (no sentido amplo, incluindo a titularidade) dos bens, como frisou Pio IX, na “Quanta cura”. Esta regulamentação do uso dos bens é feito através de formas jurídicas positivas, por um Estado popular, controlado pelo povo, um vasto Estado social, de proteção social.

As “formas jurídicas” (por exemplo, o capital e o latifúndio) que não asseguram o direito de todos ao uso dos bens não têm validade no prisma ético, do direito natural. Estas formas jurídicas iníquas devem, então, serem abolidas e substituídas por outras condizentes com a destinação universal dos bens, com o direito de todos aos bens.

O mesmo vale para os “regimes políticos”, as formas de Estado ou de governo. Se não atendem aos direitos humanos naturais, devem ser alterados em conformidade como bem comum.

O “capital” foi e é uma “forma de propriedade” (de relação econômica-social), sendo as formas variáveis. João Paulo II (e ainda por Paulo VI e Marx) definiu o capital como uma estrutura onde há divórcio entre o produtor e os meios de produção e baseada no mercado e no lucro.

O capital é, assim, uma forma jurídica (de relação social) hedionda pela iniqüidade e precisa ser abolida, tal como o latifúndio. As fotos e lembranças podem ficar num museu de horror, para espanto das futuras gerações. O correto é uma sociedade cooperativa, com milhões de pequenas propriedades pessoais nascidas do trabalho social (moradia para todos, renda para todos), mais pequenas e médias propriedades familiares, cooperativas, estatais etc. 

Em suma, a melhor organização social do trabalho, tal como de todas as atividades (e do próprio Estado), exige formas jurídicas (sócio-econômicas) positivas baseadas na destinação universal dos bens, formas de autogestão, de co-gestão, de planejamento participativo, em formas de comunidades e comunhões etc.