A concepção política da Igreja é essencialmente Democrática e popular, cf. Gramsci

Há um comentário de Gramsci bem explicativo sobre alguns pontos da concepção política da Igreja. Este comentário consta do livro de Hugo Assmann, “Sobre a religião” (Tomo II, Salamanca, Ediciones Sígueme, 1975, p. 546). Gramsci comenta um artigo publicado na revista “Civiltà Cattolica” (01.12.1928), com o título “Autoridade e oportunismo”.

Neste artigo, o Vaticano refutava a acusação antiga de Gambetta, que chamava a concepção política da Igreja de “oportunista”, por aceitar revoluções e mudanças de governo, convivendo com os novos governos, inclusive republicanos. Gambetta só estava errado no termo “oportunismo”, pois a Doutrina da Igreja aceita mesmo revoluções e mudanças de governos. Além disso, durante a Idade Média, a maior parte dos governos católicos eram repúblicas, cidades repúblicas. 

Gramsci destacou bem a teleologia, o finalismo católico. Esta teleologia ensina que a finalidade da sociedade e do Estado é o bem comum:

A questão foi examinada na época de Leão XIII e do “ralliement” de um parte dos católicos em relação à República Francesa e foi resolvida pelo Papa com estes pontos essenciais: 1) aceitação, ou seja, reconhecimento do poder constituído; 2º.) respeito prestado a ele como a representação de uma autoridade advinda de Deus; 3º.) obediência a todas as leis justas promulgadas por esta autoridade, mas resistência às leis injustas, com o esforço tendente a emendar a legislação e a cristianizar a sociedade”.

“Para a “Civiltà Cattolica”, isto não seria “oportunismo”, já que este termo deve ser aplicado somente a atitude servil e exaltadora em bloco das autoridades de fato, e não de direito (a expressão “direito” tem um valor particular para os católicos)”.

“Os católicos devem distinguir entre a “função da autoridade”, que é direito inalienável da sociedade, que não pode viver sem uma ordem [organização voltada ao bem comum], e a pessoa que exerce tal função (…). Os católicos se submetem à função, não à pessoa”.

A síntese de Gramsci do conteúdo do artigo está quase toda correta.

O ponto principal é a função pública (de servir ao povo, ao bem comum) do Estado e dos cargos públicos. A concepção política da Igreja destacava a função de promotor do bem comum da autoridade e também distinguia entre leis positivas justas e leis iníquas (leis espúrias, que prejudicam o bem comum, que não obrigam, que devem ser reinterpretadas ou desobedecidas).

A função intrínseca da autoridade é a de defender, tutelar, conservar, ampliar, promover e aumentar o bem comum. O bem comum é a base da “ordem” verdadeira, cf. Santo Agostinho, sendo a base dos deveres, da hierarquia, da disciplina. Tudo deve girar em torno do bem comum.

O Estado é um feixe de funções, cargos, órgãos, instituições e agentes, que devem atuar em prol do bem comum. Os ocupantes podem mudar, mas o ponto central são as funções, a finalidade do Estado, o tanto que ele atende a sua finalidade intrínseca (como também ensinava Galeno), que é servir ao povo, promover o bem comum.

Em resumo: o finalismo católico (teleologia social, cf. Lukács, próprio de todo trabalho social) é intrinsecamente democrático, pois vincula totalmente o Estado à sociedade, dando prioridade à sociedade, ao povo, à pessoa humana, o centro do universo. Da mesma forma, a concepção de “lei positiva justa” tem o mesmo conteúdo. Como explicou Santo Tomás, toda lei (norma estatal) deve ser uma ordenação racional visando o bem comum, devendo ser promulgada pela sociedade ou pelos representantes do povo, com a participação de todos no poder.