Os verbetes religiosos de Diderot, na “Enciclopédia”

Diderot viveu quase sempre como católico, depois, passou um pedacinho como cético, terminando a vida como discípulo de Sêneca, panteísta, com religiosidade. 

Nos verbetes redigidos na “Enciclopédia”, Diderot usa ampla fundamentação cristã, católica. Isso fica evidente, por exemplo, no verbete “autoridade”, que colhi do livro “Verbetes políticos da Enciclopédia” (São Paulo, Editoras UNESP e Discurso Editorial, 2006, p. 39):

O poder verdadeiro e legítimo, pois, tem necessariamente limites. É por isso que a Escritura diz: sit ratioabile obsequium vestrum. “Que vossa submissão seja razoável”, omnis potestas a Deo ordinata est. “Todo poder que vem de Deus é um poder regrado”, “Todo poder que vem de Deus está sujeito a regras”.

“Pois é assim que se deve entender estas palavras, conforme a reta razão e no sentido literal, e não conforme a interpretação da covardia e da bajulação, que pretendem que todo poder, qualquer que seja, vem de Deus”.

“Ora veja! Então não existem poderes injustos? Não há autoridades que, longe de virem de Deus, estabelecem-se contra suas ordens e contra sua vontade? Os usurpadores teriam Deus a seu favor?”

“Seria preciso obedecer em tudo aos perseguidores da verdadeira religião?”

“E, para fechar a boca da imbecilidade de uma vez por todas, o poder do Anticristo seria legítimo? Seria todavia um grande poder”.

“Enoc e Elias, que resistiram a ele, serão rebeldes e sediciosos que terão esquecido que todo poder vem de Deus ou serão homens razoáveis, firmes e piedosos, que saberão que todo poder deixa de sê-lo desde que ultrapasse os limites que a razão lhe prescreveu e que se afaste das regras que o soberano dos príncipes estabeleceu: homens enfim que pensarão, como São Paulo, que todo poder só vem de Deus na medida em que for justo e regrado?”.

O texto acima transcrito é um ótimo resumo da teoria cristã sobre o poder, baseada na Bíblia e na Paidéia.

O ponto central é a proposição “non voluntas, sed ratio facit legem” (“não a vontade, mas a razão faz a lei”, sendo a “ratio” (razão, inteligência) intrinsecamente ligada ao bem comum.

Esta é a tese principal da escolástica e dos Santos Padres. Tese que foi atacada pelos nominalistas, no final da Idade Média, e foi resgatada, por Suarez, Bellarmino, Mariana e outros, tendo sido, no final, consagrada no Vaticano 2.