A renovação de tudo, dentro do fluxo do tempo, dentro da história

A renovação do mundo foi outra idéia hebraica e cristã adotada por Marx. Marx repetia textualmente o que está na Bíblia: o mundo está em mutação, padece como uma grávida em trabalhos de parto, com alegria, mas com dores, nos trabalhos de parto, na eclosão da renovação (da vida plena, verdadeira), que já está entre nós, em germe (o Reino está em germe, crescendo, no rio da história). A renovação pessoal (vida nova, ressurreição) e a parusia geral (renovação geral) são partes do mesmo processo onde Deus atua como germe, por dentro, como lêvedo, grão que germina. 

Esta é a lição de Isaías (que Marx estudou por dois semestres na Universidade de Berlim), do “Apocalipse”, de “Daniel”, dos textos de São Paulo e São Pedro, das frases textuais de Cristo e de vários livros da Bíblia, tendo sido adotada também no “Catecismo do Vaticano”, na parte sobre os “novíssimos” ou o “oitavo dia” da criação/redenção/libertação.

Pio IX – tal como vários Papas e o Vaticano II – ensinou claramente que as pessoas e a sociedade se salvam (se redimem, se libertam, regeneram) pela “observância” das regras práticas da razão.

A salvação ocorre pela adequação da vida à luz da razão, da consciência, em outras palavras, por regrarem a vida pela “lei natural”, pelos “preceitos” da justiça natural, “gravados no coração de todos os homens”, na terminologia de São Paulo.

No mesmo sentido, a 32ª. Congregação Geral dos Jesuítas aprovou a proposição “a missão da Companhia de Jesus” exige “a promoção da justiça”, como “uma exigência absoluta” (Decreto 4, n. 2). Julgar o mundo significa regenerar (justificar, tornar justo, bondoso) o mundo, tornar o mundo justo, bom.

O caminho (conjunto criativo de regras racionais) da verdade, da luz (dos atributos divinos), é o “caminho do bem” (cf. Gregório XVI, na “Mirari”), do bem comum, da justiça natural, dos direitos humanos naturais, da “lei natural”.

O Estado, tal como o ordenamento jurídico positivo e todas as estruturas humanas (familiares, culturais, econômicas etc), deve ser a cristalização (a realização, a atualização, em termos tomistas), a concretização das idéias verdadeiras, ou seja, das regras racionais, das verdades práticas, nascidas na consciência de todas as pessoas. Por isso, a democracia (o primado das consciências das pessoas) é natural, nas palavras de Pio XII, dado que é o único regime condizente com a dignidade das pessoas, com nossa natureza.

Em 26.03.1860, Pio IX também lembrou, na linha do grande bispo Dupanloup, que o “principado civil” varia segundo “as condições e as necessidades do tempo”, mas sempre tendo como finalidade o bem comum. Por estas razões, próprio Papa sempre quis ter a soberania temporal sobre uma pequena área (o Vaticano), para ter liberdade para auxiliar na difusão do bem comum.

Em 1863, a revista “Civiltà cattolica” (17.10.1863), como porta-voz tradicional do Vaticano, destacou que “as modernas liberdades” são “legítimas” e “é lícito aos católicos abraçá-las e defendê-las”, no sentido da interpretação da Igreja, do bem comum.

Pio XI, numa carta dirigida a China, também lembra que “ninguém ignora, pois a história inteira testemunha isso, que a Igreja se acomoda às leis e ás Constituições peculiares de cada nação e de cada Estado; que ela pratica o ensina o respeito aos governos legítimos”, só requerendo “o direito comum, a segurança e a liberdade” para a Igreja e para todos.

Conclusão: mais tarde, Leão XIII, ao reconciliar a Igreja com as repúblicas (na mesma base de reconciliações anteriores, como a Concordata de 1801, de Pio VII com Napoleão, e o mesmo vale para o Vaticano 2), repetiu as mesmas idéias clássicas sobre a variabilidade e diversidade das formas do poder civil de acordo com as necessidades do povo, com as circunstâncias culturais, objetivas e históricas (os textos de Leão XIII, em 1892, estão em outra parte deste livro).

A ação divina é flexível, é suave, terna e pautada pelo respeito à liberdade humana.

Por isso, a doutrina da Igreja, o jusnaturalismo cristão, a teoria jurídica e política da Igreja, é também pautada pelo respeito à pessoa, é humanista, é democrática, é baseada no consenso, no diálogo no amor à natureza, no apreço à criação, ao Criador, ao Pai.