A origem da filosofia cristã, aberta, eclética, ecumênica, amante das boas sínteses

O platonismo médio foi descrito corretamente em verbetes do “Dicionário de filosofia de Cambridge” (São Paulo, Ed. Paulus, 2006, obra dirigida por Robert Audi).

Vejamos a transcrição de parte do verbete “estoicismo” (p. 295), deste Dicionário, dado que a Universidade de Cambridge continua a estar entre as cinco ou dez melhores universidades do mundo:

“Convencionalmente, distingue-se uma segunda fase da escola, o estoicismo médio. Este se desenvolveu em grande parte em Rodes, sob Panécio e Posidônio, visto que ambos estes filósofos influenciaram a apresentação do estoicismo nos tratados filosóficos de Cícero, que tanta influência tiveram (metade do século I a.C.). Panécio (c. 185-100) abrandou algumas posições estóicas clássicas, sendo a sua ética mais pragmática e menos preocupada com o sábio idealizado. Posidônio (c. 135-50) tornou o estoicismo mais aberto às idéias platônicas e aristotélicas, trazendo à baila a inclusão platônica de componentes irracionais na alma. Uma terceira fase, o estoicismo romano, é a única era estóica cujos escritos sobreviveram em quantidade. É representado especialmente pelo jovem Sêneca (d.C. 1-65), por Epicteto (d.C. 55-135) e Marco Aurélio (d.C. 121-180). Ele continuou a tendência estabelecida por Panécio, enfatizando fortemente sobre a ética prática e pessoal. Várias importantes figuras públicas romanas foram estóicas”.

O “Dicionário de filosofia de Cambridge”, na p. 728, explica corretamente que Mitridates tomou Atenas, em 88 a.C. e destruiu o prédio da Academia (o prédio foi reconstruído, ao contrário do Liceu, de Aristóteles, que permaneceu destruído fisicamente). Em 86 a.C., a destruição foi ampliada pelo saque de Silas. Então, isso deu mais liberdade e amplitude aos platônicos, dando origem ao platonismo médio, graças a Antíoco de Ascalão.

Sobre o “platonismo médio”, vejamos parte do verbete:

“Platonismo médio, o período do platonismo entre Antíoco de Ascalão (c. 130-68) e Plotino (204-270 d.C.), caracterizado por uma rejeição da posição cética da Nova Academia (…) e certa tolerância, como, p. ex., entre as posições estoicizante e peripatetizante, na esfera ética”.

Fica claro que entre 150 a.C. e 200 d.C., houve a criação de um campo eclético, misturando platonismo, aristotelismo, estoicismo, pitagorismo etc, num conjunto de filosofia que foi recepcionado pela Igreja, formando a base humana da filosofia cristã, aberta, mesclada com as ideias hebraicas, semitas, orientais etc. 

O “Dicionário Oxford de filososofia” (Ed. Jorge Zahar, p. ) traz a mesma informação, ensinando que Antíoco de Ascalon rompeu com Fílon de Larissa. O rompimento foi registrado no diálogo “Luculus”, de Cícero:

“Platonismo médio – (…). O próprio Antíoco tinha extrema simpatia pelo estoicismo. Públio Nigídio Fígulo (98-45 a.C.) e Eudoro de Alexandria (fl. c. 25 a.C.) introduziram novos elementos, tais como a ênfase na transcendência e na natureza imaterial de Deus, o interesse na numerologia mística pitagórica e a tentativa de erigir uma hierarquia divina da realidade. A introdução de novos elementos continuou com a reconciliação das obras pagãs e judaicas, operada por Fílon de Alexandria”.

O platonismo médio aceitou várias idéias estóicas, aristotélicas e neopitagóricas, numa síntese eclética, que foi preparatória, uma pedagogia para o cristianismo, como ensinou São Clemente de Alexandria.

No platonismo médio há inclusive um esboço da idéia da Trindade, nos textos de Eudoro de Alexandria (fl. c. 25 a.C.), que ensinava que existe um Deus supremo, que é a Mônada; tal como um Deus criador secundário, o Demiurgo [Cristo]; e, também, uma Alma do mundo (o Espírito Santo).

Os cristãos recepcionaram estas idéias platônicas, explicando que Cristo é o Demiurgo, que opera (age) com base nos Planos do Pai, moldando a matéria-prima do universo, atuando no mundo especialmente pelo Espírito Santo, Ruach, em hebraico (cf. “Timeu”, 51 a-b).