A filosofia eclética preparou a recepção do catolicismo, pela Providência divina

Em Numênio de Apaméia (sírio, que viveu lá pelo século II d.C.), há a mesma idéia de Trindade, que consta em Eudoro, e foi também acolhida por Plotino. Numênio era platônico e pitagórico. Numênio explicava que há o Pai, que é o Bem personalizado; há o Demiurgo; e há a Alma do mundo. Numênio era bem ecumênico e apreciador da sabedoria oriental. Os textos mais importantes de Numênio foram conservados por Eusébio, especialmente os fragmentos das obras “Sobre o Bem” e “Sobre a infidelidade dos acadêmicos [ligados a Carnéades] a Platão”, onde Eusébio elogia o platonismo médio, e mostra a boa conformidade de seus conteúdos intelectuais com as ideias católicas.

O neoplatonismo de Plotino também era eclético, acolhendo vastas porções de estoicismo, de neopitagorismo e de aristotelismo, como fica evidente nos textos de Porfírio e Proclo.

O mesmo ocorre com os textos de Plutarco de Queronéia e de Galeno.

O estoicismo médio e o platonismo médio eram ecléticos e ecumênicos.

Da mesma forma, era eclético o neopitagorismo de Moderado de Gades (fl. c. 90), de Nicômaco de Gerasa (fl. c. 140) e de Numênio de Apaméia (fl. c. 150). O neopitagorismo floresceu no século I a.C., sendo também uma preparação cultural para o cristianismo. Os textos “Ditos áureos”, “Símbolos” e “Cartas”, atribuídos a Pitágoras, datam do século I a.C., tendo conteúdos próximos às idéias hebraicas. Da mesma forma, os textos de Ocello e os textos atribuídos a Hermes Trimegisto, formando a corrente do hermetismo, com muitos pontos coincidentes com o catolicismo. O principal neopitagórico foi Numênio de Apaméia, cidade síria próxima a Tarso, a pátria de São Paulo.

O ecletismo foi bem elogiado por Diderot, na “Enciclopédia”, sendo o ecletismo o núcleo da filosofia clássica, recepcionada pela Igreja, formando a filosofia cristã.

Nesta recepção, a Igreja recepcionou também o melhor da teoria política grega, da teoria jusnaturalista democrática, bem exposta por Sófocles, por Eurípedes, por Platão (no livro “Protágoras”, também chamado de “Político”), por Aristóteles (no livro “Política” e nas obras éticas) e também pelos estóicos, cujos textos foram bem coletados por Arnim.

A principal estrela do platonismo médio foi o filósofo judeu Fílon de Alexandria (25 a.C. a 50 d.C.). Fílon é como que o precursor da filosofia cristã, pois une o melhor das idéias hebraicas com o melhor das idéias da Paidéia. Fílon de Alexandria foi a continuidade, dentro do judaísmo, da “Septuaginta”, dos livros “Sabedoria”, “Eclesiástico”, “Tobias”, “Macabeus”, “Judite” e outros. A linha de Fílon é também a linha dos fariseus, de Hilel, de Gamalieu e de outros. Esta linha foi, em parte, mantida no “Talmud” e também na “Cabala”, pejada de idéias sobre a Trindade e de idéias próximas do catolicismo.

Antes de Fílon, entre os platônicos médio, houve Cícero, que, na última obra que escreveu, “Dos deveres” (III,20) resume bem o espírito aberto e ecumênico do platonismo médio: “enquanto a mim, a nossa Academia concede-me ampla liberdade para defender, com pleno direito, qualquer opinião que me pareça verossímil”. Cícero continuou a linha de sínteses abertas (ecletismo sadio) de Antíoco, de Panécio e de Posidônio.

Possidônio de Apaméia (135-50 a.C.), outro sírio, deu continuidade ao trabalho de Panécio de Rodes (185-125 a.C.). Apaméia é a antiga Quibotos, mencionada na Bíblia. O termo “quibotos” significa “arca”. No reinado de Sétimo Severo (193-211), foi cunhada uma moeda em Apaméia, representando uma arca (navio) com o nome de Noé.

A influência bíblica e semita difundia-se no Império Romano. Parte desta difusão ocorria pela via do mitraísmo, do zoroastrismo, que era a religião oficial do Império Parta. O zoroastrismo é baseado principalmente em idéias semitas e hebraicas, geradas, tudo indica, pelas diásporas de 721 a.C. e de 586 a.C. especialmente dirigidas a terras da Média, a terra de origem do zoroastrismo.

A cidade de Rodes encarregou Possidônio da defesa de seus interesses junto a Roma, o que mostra a militância política dos estóicos. Possidônio foi amigo de Pompeu e foi professor de Cícero.

A síntese eclética de Possidônio foi feita na mesma linha do trabalho posterior de síntese de Antíoco de Ascalão, que dirigiu a Academia de Platão, nos anos de 85 a 69 antes de Cristo.

Antíoco elaborou uma síntese entre platonismo e estoicismo, chegando ao ponto de afirmar que o estoicismo tinha conservado as idéias de Platão.

Cícero teve como mestres Possidônio e Antíoco, o que mostra a razão de Cícero ser uma síntese de estoicismo médio com platonismo médio.

Por estas e outras razões, Cícero soube elaborar uma síntese de platonismo eclético, com estoicismo eclético e aristotelismo. Síntese que foi ampliada por Sêneca, que apreciava muito os trabalhos filosóficos de Cícero. 

Conclusão: como explicou São Clemente de Alexandria, o melhor da Paidéia atuou como preparação pedagógica para o cristianismo.

Esta proposição foi aceita por Marx, com base nos trabalhos do teólogo Bruno Bauer, o melhor amigo do jovem Marx, de 1839 a 1841, em Bonn, na Alemanha.

O ecletismo da Paidéia foi recepcionado pelo cristianismo, pela Igreja, formando a “filosofia cristã”, sempre aberta e ecumênica.

Nesta recepção, a Igreja aceitou o melhor da teoria política da Paidéia e da Tradição hebraica, o que mostra como o catolicismo aprecia a Democracia popular, o Estado social, a economia mista, o cooperativismo etc.