A Igreja quer a difusão do poder, dos bens, do saber, dos prazeres naturais, da vida plena, para todos

A proposição primária da doutrina da Igreja é o primado da pessoa (da dignidade, da sacralidade, “filhos de Deus”, especialmente da consciência) em relação às coisas e bens.

Em outros termos, a regra do bem é a regra do primado da pessoa, do bem comum, da destinação universal dos bens (cf. Gen 1,26), pois tudo deve servir (estar sob o controle humano, como destacava Pasteur e outros cientistas cristãos) ao florescimento da vida humana, à realização da pessoa, dos sonhos, necessidades e aspirações de cada pessoa.

Por esta regra geral, racional e natural, evidente a todos, os direitos subjetivos positivos, para serem legítimos, devem ser formas de poder, de “poder de gestão e administração” (cf. Puebla, n. 492), que devem estar em adequação ao bem comum (que concretizem o ideal do bem de todos, para todos, controlados por todos).

Os direitos subjetivos são poderes jurídicos e são legítimos se estiverem em consonância (adequação) com o bem comum.

São potências (faculdades) relativas (cf. Louis Josserand, Karl Renner, Renard e outros). São relativos, porque vinculados (limitados, sujeitos a uma “hipoteca social”, cf. João Paulo II) a uma função social, aos limites e às exigências do bem comum.

A sociedade pode impor limites e restrições, pode planificar e regulamentar, ou monopolizar bens que atribuam excesso de poder, para concretizar o “direito primordial” (direito natural primário) de todos aos bens (materiais, jurídicos, morais, espirituais, intelectuais etc) necessários e suficientes para uma vida plena.

Esta regra vale para os direitos obrigacionais, reais e também para a divisão e a estruturação de cargos públicos (conexa à divisão de bens, para controle), tal como para o exercício dos cargos públicos. Afinal, os cargos públicos são apenas feixes de atribuições, de direitos subjetivos públicos, que dão aos titulares dos cargos (aos agentes públicos) direitos (poderes) e deveres, ambos pautados e regrados pelo bem comum. O mesmo para direitos reais, são poderes de administração de bens, sujeitos a controles públicos, às regras do bem comum, a regras estatais e sociais. 

Os direitos subjetivos são direitos de controles, como ensinou Jean Dabin. As formas de atribuição, de uso e exercício das faculdades (dos direitos, que são poderes, do Estado ou de particulares) devem estar subordinadas, coordenadas e apoiadas pelas regras do bem comum, regras postas pela sociedade, que as cria para o próprio bem e de cada pessoa.

Em outras palavras, todos os poderes devem ser difundidos (espalhados, como se espalhas sementes e adubo na terra, cf. Francis Bacon), nos limites do bem comum, adequados, na forma de difusão e exercício, às regras que assegurem que todos os movimentos sirvam para o provimento das necessidades de todos, para a realização do bem comum, a comunhão.

O ideal político do cristianismo é comunitário e social, popular, visa gerar uma comunhão (vida em comum, comunidade) regida pelo amor, pela amizade, pelo diálogo em busca comum do bem comum. O termo “comum” vem de “koinos” (em grego) e de “communis” (em latim).

A sociedade deve ter sempre a estrutura de uma comunidade, de uma sociedade pautada pelo bem comum. Aristóteles (“Política”, I, I, 1) e Platão (em “República”, II, 371b) ensinavam, neste sentido, que a “polis” (cidade) e a “família” são espécies de “comunidades” (“koinonía”).

A Bíblia também ensina (com mais força, tal como são mais incisivos os textos de Moisés do que os de Platão) que fomos feitos para “sermos um”, para vivermos em comunhão (o termo “coena”, “ceia”, vem de “koinos”), onde os méritos de cada um se comunicam e todos sofrem (compadecem, compaixão) com os que sofrem, alegrando-se com a alegria do próximo.

A Eucaristia e a comunhão mística ampliam o movimento natural de nossa natureza política e familiar, que nos leva a viver em comunidade, estruturando tudo em prol do bem comum (“um por todos e todos por um”, como era o lema cristão dos Três Mosqueteiros).

A doutrina da Igreja tem como que níveis ou etapas, são como que degraus na realização do ideal do bem comum.

Há, falando em termos políticos, um “programa mínimo”, médio (escalonado, por sua vez, em vários estágios, etapas, degraus, difusões) e máximo, que é o nível escatológico, que deve estar sempre presente. Vida nova, novo ser, ressurreição, parusia, são processos em curso, movimentos em curso, operantes, como se fossem um parto, com as dores respectivas. Parusia não é um final, e sim um movimento sem fim, eterno, a eternidade em movimento. 

Conclusão: o ideal do bem comum é o ideal do “Reino de Deus”, que já está presente e deve crescer, aprofundar-se, dentro do processo histórico, controlando-o em direção à parusia (movimento de renovação, de melhora, em curso), à eclosão da “civilização do amor”, da regência da regra do bem comum. A parusia é um movimento e uma meta, significando vida eterna, felicidade (alegria, “gaudium”), vida eterna que inicia nesta vida, dentro da vida, da história, controle pleno do universo, ressurreição, eliminação da morte, erradicação das doenças, enfim, universo novo (renovado), com corpos novos e imortais, numa organização social igualitária e pautada pelo bem comum.

A parusia expressa também os grandes ideais humanos, de superação da morte, do sofrimento, dos erros, das mentiras, das injustiças etc.

Da mesma forma, os milagres prefiguram o que ocorrerá no futuro e que ocorre progressivamente na história: a sujeição do universo à vontade consciente das pessoas (cf. Gn 1,26), o controle comum do universo, numa grande República universal, uma Grande Comunidade movida pelo Amor, em parceria com Deus, como Filhos de Deus.