Cooperativismo com apoio estatal, para superar a condição proletária, o regime salariato

A elevação dos trabalhadores e a superação do regime salariato e da condição proletária foi uma das principais metas de Alceu Amoroso Lima. Foi inclusive a finalidade de seu livro “O problema do trabalho” (1947), que, pelo projeto inicial, teria o título “A primazia do trabalho”.

Nisto, como em outros pontos, Alceu seguia Jacques Maritain, que, por sua vez, tinha todo o apoio de Pio XI e Pio XII, tal como teve o apoio de João XXIII e de Paulo VI, depois.

A Frente Nacional do Trabalho tinha, nas décadas de 50 e 60, este programa de elevação do proletariado pela superação do regime salarial.

O presidente de honra da F.N.T. era Dom Jorge Marcos, bispo de Santo André SP, tendo a participação de freiras do Instituto Missionário Cristo Operário, militantes da JOC, Luiz José Mesquita e da Frei Luiz Maria Sartori OFM. A Frente fez seu grande teste de forças na greve de 46 dias da fábrica de cimento Perús, em 1958.

No programa da FNT constava a desapropriação por interesse social de latifúndios e grandes empresas e a entrega destes meios de produção aos trabalhadores; tal como a difusão, com apoio estatal, do cooperativismo; o aperfeiçoamento da legislação trabalhista e eleitoral para suprimir a influência do poder econômico; a participação dos trabalhadores nos órgãos estatais de planejamento e regulamentação (inclusive na estrutura da Previdência, ponto ressaltado pelo Marechal Lott e outros); a luta pelo salário-família e por uma remuneração para a mulher que opte por ficar cuidando dos lares; a promoção estatal de programas visando assegurar a casa própria para os trabalhadores e outras formas de superação paulatina do contrato de trabalho (como o acionariato operário, ampliando o direito de greve etc), transformando as empresas (unidades econômicas) em comunidades de trabalho.

Vale a pena ler também textos até de Francisco Oliveira Vianna. Este grande sociólogo cometeu erros graves, como a difusão de erros racistas, mas pelo menos militava no PTB e procurou ampliar as leis trabalhistas.

No livro “Direito do trabalho e democracia social” (São Paulo, Ed. José Olympio, 1951, cap. VI, p. 170, “o papel construtivo da democracia cristã”, uma palestra que fez num encontro católico, em Niterói, 1945), Francisco Oliveira Vianna escreveu:

“Realizada integralmente, a doutrina social da Igreja fará com que o contrato de trabalho, até há bem pouco tempo rebaixado à condição de um contrato de locação, venha a ser elevado à condição de um contrato de sociedade, que tudo indica ser a última etapa do seu processo evolutivo”.

Para fundamentar esta opinião, Vianna cita Rippert, Calógeras (“Conceito cristão do trabalho”), o padre Leonel Franca (“A crise no mundo”) e Hillaire Belloc (“La crisis de nuestra civilización, Buenos Aires, 1941). No saldo final, Vianna contribuiu para a melhoria do estudo da sociologia no Brasil e auxiliou efetivamente na implantação de uma legislação social e trabalhista. Por estas boas obras acho que merece algum desconto por ter disseminado horríveis erros racistas, que eram partilhados por muitos “cientistas”, inspirados em distorções de Darwin e outros autores.

Na mesma linha, há também o livro de Olbiano de Mello, “A quarta força ou bases fundamentais da reconstrução do mundo”, de 1951, onde defende que “todas as empresas (fábricas, usinas, bancos, estabelecimentos comerciais, companhias de transportes etc) deveriam ser compulsoriamente societarizadas”. Societarizar significava, para Mello, enquadrar estas empresas num regime jurídico de co-propriedade e co-gestão. Os trabalhadores também teria parte da gestão nas empresas estatais, nas autarquias e companhias de capital misto – mantidas com capital subscrito pelo Estado. Há ideias parecidas no General Eleutherio Brum. 

Neste mesmo sentido, François Perroux, um economista católico, criticava a “desumanização” e a “despersonalização” (usava argumentos de Mounier e Sangnier), a “massificação” da economia. Perroux mostrou os elos entre a doutrina social da Igreja com as idéias cooperativas de John Stuart Mill, as idéias de Proudhon e dos sindicalistas.

O socialismo de um Sven Olof Palme (1927-1986) tem bases humanistas também. Palme foi primeiro-ministro da Suécia, socialista, assassinado em Estocolmo, quando regressava do cinema com a esposa. Olof Palme defendeu os pleitos dos pobres, dos trabalhadores, dos doentes, idosos, do Terceiro Mundo e, por estas grandes coisas, foi um grande homem. 

Há também teses de socialismo com liberdade nos textos do tcheco Ota Sik (1919-2004).

O mesmo ocorre com a linha pró-auto-gestão adotada por Tito na Iugoslávia e o modelo de socialismo democrático da Áustria. Tentaram adotar moldes, combinando autogestão, co-gestão, pequenas empresas e planejamento participativo.

O socialismo do general Velasco Alvarado, no Peru, que recebeu o apoio da Igreja, seguia linhas próximas, tal como o modelo de Gandhi-Nehru ou algumas teses de De Gaulle.

Na URSS, a linha da “Oposição operária” era favorável à autogestão. A “Oposição” foi um movimento de oposição nos anos de 1920-1921, que tinha líderes como Alexandra Kollontai e Sylvia Pankhurst. A plataforma da Oposição (ver, no Brasil, a obrinha de Kollontai, “Oposição operária 1920-1921”, São Paulo, Ed. Global, 1980) foi publicada nas primeiras semanas de 1921. Criticavam a burocracia e o capitalismo de Estado; queriam novas formas de produção onde os produtores administrassem a economia e fossem a base do poder. Criticavam a proposta de Lênin que reduzia os sindicatos a escolas e cadeias de transmissão; e também não aceitavam a militarização dos sindicatos, que era a proposta de Trotsky.

Uma união do melhor das ideias de um Bukharin (apoio aos camponeses e rejeição à coletivização forçada) e do melhor das ideias da Oposição, poderia ter corrigido os rumos na URSS, para criar uma Democracia popular, com amplo Estado social, economia mista etc. 

Dom Angélico Sândalo, Bispo de São Miguel, no jornal “Folhetim” (27.09.1981), com base no ensinamento na encíclica “Laborem exercens”, ressaltou que somente há socialização verdadeira quando a subjetividade da sociedade [soberania da sociedade, que detém assim o direito eminente sobre os bens, por conta da destinação universal destes) está garantida. Há a mesma lição em Dom Hélder Câmara, em prol de uma socialização personalista, com democracia, liberdades, economia mista. 

Em outras palavras, quando cada um dos que a compõe (especialmente os trabalhadores nas unidades produtivas) controla o processo produtivo e social, não sendo escravo (no sentido usado por Lamennais, de coisa, ser submisso e dependente, conforme consta no livro “Da escravidão moderna”, uma obra onde critica a escravidão moderna, o regime salarial).

Paulo VI, no famoso discurso XXX, também defendeu o fim da alienação dos trabalhadores, ampliando os direitos trabalhistas no sentido da supressão do regime do salário, pautas já defendidas por Buchez, Lamennais e Ketteler, mesmo antes dos textos de Karl Marx.