A Doutrina social da Igreja é basicamente um socialismo personalista, de economia mista, Estado social, distributista, cooperativista, amplamente democrática e participativa

João XXIII ensinou, na “Mater et magistra” (n. 219), que “o princípio mais importante desta doutrina [da doutrina social da Igreja, da lei natural] consiste em cada um dos homens [dos seres humanos] ser necessariamente o fundamento, a causa e o fim de toda a instituição social”.

Toda a estrutura estatal deve ser construída para assegurar a cada pessoa, uma vida simples, plena, digna, abundante e feliz. 

Este princípio fundamental – a pessoa como centro do mundo, como medida dos bens – foi explicitado e cunhado por Pio XII, na “Radiomensagem do Natal, de 1944. Neste documento, este papa ensinou que “a pessoa humana” nunca deve ser “considerada como mero objeto ou elemento passivo da vida social, mas, muito pelo contrário, deve ser tida como o sujeito, o fundamento e o fim da mesma”.

O fundamento democrático popular é claro – o povo (as pessoas) são o sujeito natural da soberania, devem ser sujeitos, controladores, do povo nasce a soberania. O Estado é um servo natural do povo.

O povo deve se autocontrolar por um modo de produção cooperativista e solidário, economia mista, Estado social, distributista, tal como deve controlar o Estado. 

No mesmo sentido, Pio XII, na “Com sempre nuova freshezza” (no Natal de 1942), ensinou que “a estrela da paz” só despontaria, se fosse restituída “à pessoa a dignidade que Deus lhe concedeu desde o princípio”. Para isso, era importante que a sociedade fosse organizada sem “excessiva aglomeração”, sem grandes cidades, como queriam Engels, Bebel, Owen, Fourier, Soria y Mata e outros.

Uma estrutura descentralizada baseada em “formas sociais” (jurídicas, políticas, econômicas etc) onde exista a “possibilidade e garantia para uma plena responsabilidade [participação] pessoal”, baseada nos “direitos fundamentais da pessoa”.

Uma boa organização social adota a estrutura das cidades-lineares e das cidades-aldeias, sem latifúndios, sem grandes fortunas privadas, sem miséria. Um grande arquiteto católico, Soria y Mata, formulou a estrutura ótima das cidades-lineares, com ferrovias estatais, reforma agrária etc. 

A nota personalista, democrática e participativa é evidente, podendo ser chamado de primado da pessoa (ou dos direitos humanos), em torno do qual deve gerar a sociedade, o Estado, as leis positivas, a formação dos preços (cf. Galiani) etc.

A concepção política do cristianismo subordina a economia à política; a política à sociedade; e a sociedade à pessoa. Por isso, os papas ensinaram que “o bem comum”, que é a finalidade da sociedade e das pessoas, significa atender e promover os direitos humanos naturais, fundamentais.

O Vaticano II acolheu esta proposição que tem em seu núcleo uma concepção democrática participativa, que condena o capitalismo e todas as formas de regimes baseados no que Jack London chamou de “tacão de ferro” (São Paulo, Ed. Boitempo, 2003).

A sociedade deve ser organizada de forma protetora e promotora dos direitos humanos, do ser humano, tal como o Estado deve ser uma instituição protetora e promotora dos interesses legítimos (das necessidades) das pessoas.

Em outras palavras, a sociedade deve ser regida pela ética, pelos princípios naturais que nascem da luz natural da razão, presente em todos. Este primado da ética (do bem comum) foi ressaltado por Gregório XVI, na “Mirari vos” (15.08.1832), quando condenou o liberalismo por querer cindir a atividade social, política e econômica dos juízos éticos. No mesmo sentido, Leão XIII condenou o “naturalismo”, irmão do “liberalismo”, pela cisão entre ética e a economia e a política.

João Paulo II teve o mérito de sublinhar, na encíclica “Sollicitudo rei socialis” (n. 15) a relação intrínseca entre “a subjetividade criadora” de cada ser humano e a “subjetividade” da sociedade, das cidades, das nações, ou seja, a “soberania” e o primado da sociedade.

O totalitarismo – tal como o absolutismo e o capitalismo – foi condenado pela Igreja porque “nessa situação, o homem e o povo convertem-se em objeto”, tal como a opressão contra a mulher a reduz a um objeto sexual.

Cada ser humano, tal como as nações e as cidades (e regiões etc), tem o direito sagrado e divino à “autonomia” (à liberdade) dentro dos limites do bem comum. O próprio Deus planejou estes itens que estão inscritos no núcleo da natureza humana.

Na encíclica “Pacem” (“Paz na terra”, n. 26), João XXIII destacou que “a dignidade da pessoa” requer um regime político coerente e condizente com a natureza humana, que é social, política, comunitária, familiar, boa, afetiva etc. Esta natureza estabelece, como direito humano natural, os “direitos políticos” (tal como os direitos econômicos, sociais, familiares, religiosos etc), “o direito de participar ativamente da vida pública” (e do bem comum, dos bens destinados a todas as pessoas), o direito ao acesso aos bens necessários e suficientes para uma vida digna (renda estatal, moradia, jornadas pequenas de trabalho não reificantes etc), tal como de “trazer, assim, a sua contribuição pessoal ao bem comum dos concidadãos”.

Os bispos latino-americanos, na assembléia em Puebla, em 1979, ressaltaram que “a transformação das estruturas” deve ser uma “expressão externa da conversão interior” (n. 1.221). Quiseram ressaltar que “a conversão interior” (a santidade, a correção ética) exige “a transformação das estruturas”. Como ensinou o 3º Encontro Nacional das CEBs, a Igreja está comprometida “com a mudança das estruturas econômica, social e política”.

Conclusão: a premissa implícita neste raciocínio é clara: as estruturas (“as leis e as estruturas”, especialmente no tocante à gestão dos bens, cf. n. 199, do doc. de Puebla) devem ser a expressão da consciência (logo, das necessidades, dos interesses legítimos) do povo. Em outras palavras, devem ser a expressão e a forma de atender aos interesses, às necessidades, às aspirações do povo, de cada pessoa, pois toda pessoa é sagrada e única.

Com outra terminologia, Pio XI ressaltava a função do Estado de “guardião do direito” e que “o conjunto das leis, das instituições, a constituição e a administração da sociedade” devem ser conformadas no sentido do bem comum, para que “façam florescer naturalmente a prosperidade pública e privada” (a mesma ideia foi ensinada por Leão XIII, na Rerum).

O Estado deve assegurar “a proteção da comunidade e dos membros que a compõem”.