A doutrina da Igreja foi a principal fonte da construção do Estado moderno social

Quentin Skinner, no livro “As fundações do pensamento político moderno” (São Paulo, Editora Companhia das Letras, 2000, p. 450), mostra como a Doutrina social da Igreja foi uma das principais fontes do Estado moderno, do Estado social, com democracia:

“A perspectiva radical

Os filósofos tomistas da Contra-Reforma foram apontados seguidas vezes como os principais fundadores do pensamento constitucionalista e até do pensamento democrático moderno.

Suárez já foi aclamado com o primeiro democrata moderno, Bellarmino foi louvado por revelar as verdadeiras fontes da democracia, e aos jesuítas como um todo creditou-se a invenção do conceito de contrato social e a exploração, pela primeira vez, das implicações dessa para a teoria da justiça.

Evidentemente, há um verdadeiro grau de verdade nessas informações.

Recorrendo ao seu legado tomista, os teóricos da Contra-Reforma não apenas chegaram a varias conclusões radicalmente populistas, como também funcionaram como o canal por meio do qual, no correr do século seguinte, a aplicação do contrato social à analise da obrigação política pôde exercer a mais decisiva influência.

Um rápido exame dos Dois tratados sobre o governo, de Locke, por exemplo, revela que seu autor reitera várias das premissas básicas dos jesuítas e dominicanos.

Concorda com a apreciação que esses últimos fazem do ius naturale, declarando que a razão é essa lei, e que a mesma deve também ser tratada como a vontade de Deus (pp. 289,376 ).

Concorda ainda com a ideia do papel fundamental a se atribuir ao ius naturale em toda sociedade política legítima, apontando-o como uma regra eterna [válida] para todos os homens e salientemente que todos os decretos de nossos legisladores precisam ser conformáveis a seus requisitos. E, quando pergunta como é cabível criar-se uma sociedade política com base nessa lei, Locke endossa os dois principais argumentos que os jesuítas e dominicanos já haviam exposto.

Ficou clássica a forma como retomou a tese desses frades segundo a qual, para compreendermos o direito ao poder político, e derivá-lo de sua origem, devemos indagar em que estado se encontram naturalmente os homens, e reconhecer que esse será o de perfeita liberdade (p. 287). E assim aceita Locke que o único modo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade de natureza e coloca os grilhões da sociedade civil” é pelo mecanismo do consentimento, concordando com outros homens em se juntar e se unir numa comunidade (pp. 348-9)”.

A teoria exposta por Locke e depois desenvolvida por Montesquieu, por Rousseau e pelo Padre Sieyès era eminentemente cristã e tradicional, sendo amplamente exposta por vários padres jesuítas, frades dominicanos e Doutores da Igreja.