A função social é inerente a todo direito subjetivo privado ou público, ou seja, economia mista

O grande jurista francês, Leon Duguit (1859-1928) sempre foi bem próximo da Igreja. Duguit desenvolveu idéias do sansimonismo cristão. Estas idéias de Saint Simon, mais católico que qualquer coisa, influenciaram o livro “Política positiva” (I/154-155), de Augusto Comte, que ensinava que “cada cidadão constitui”, sob certo aspecto, “um funcionário público”, com “atribuições” que “determinam” ”as obrigações e as pretensões”. Trata-se de um “princípio universal”. Cada ato tem uma “função social”.

O livro de Duguit, “As transformações gerais do direito privado depois do Código de Napoleão”, esboçam boa crítica ao capitalismo. Estas idéias foram ampliadas nos textos de Karl Renner, Campion e Louis Josserand. A mesma tônica em Suarez, e também na Escola tomista cultural-histórica, de Zigliara, Liberatore, Taparelli e outros, que acentua as circunstâncias históricas e sociais, na formação do Direito. O mesmo no melhor do historicismo jurídico e econômico. 

Também estão em Anton Menger, no socialismo jurídico. E estão nos grandes juristas franceses, que interpretaram o melhor das ideias da Revolução francesa em boa harmonia com as ideias cristãs, pois as ideias cristãs foram as matrizes principais do melhor da Democracia. 

O conceito de “função social” (destacado por Pio XI, João XXIII e João Paulo II) significa “finalidade”, ponto destacado por Aristóteles e pela escolástica.

A idéia de causa final ou finalidade foi também resgatada por Ihering.

Função ou finalidade social significa dizer que todo direito subjetivo privado ou público, toda forma de apreensão e fruição de bens (e condutas etc) privado, toda conduta, deve estar subordinado ao bem comum, ao bem da sociedade.

Os melhores textos de Saint-Simon, Comte, Ihering ou Duguit são desdobramentos das concepções políticas, sociais e jurídicas do cristianismo, que nasceram, no prisma humano, da síntese entre humanismo hebraico e da Paidéia (cf. Bruno Bauer e Engels, e o mesmo ponto estava em Hegel, que descreveram esta síntese).

Bem próximo de Duguit há Roscoe Pound (“O espírito da common law”, 1921), Harold Laski (“Estudos sobre o problema da soberania”, “Fundações da soberania” e “Autoridade no Estado moderno”), Gurvitch, G.D.Cole, Hugo Krabbe e outros. São também as mesmas ideias de Maurice Hauriou, Durkheim, Robert Dahl e outros.  No fundo, é a fórmula de Mounier, a sociedade deve ser o máximo possível pautado pela socialização e pela personalização, em boa síntese. Idem para Teilhard e Merton. As mesmas ideias estavam em Bergson, Alceu e no melhor da Doutrina social da Igreja, especialmente na França e na Bélgica. 

Todos estes autores buscaram o mesmo do ideal cristão-judaico, o ideal natural e humano: uma democracia social, não-capitalista, popular. Democracia política, econômica, cultural, social, em boa síntese.

Há um fundo jusnaturalista na fundamentação sociológica do direito, de Duguit. Tanto na estrutura geral de suas ideias como ao considerar a “Declaração dos direitos do homem”, de 1789, como princípios inderrogáveis, que obrigavam o Estado francês, que não podiam ser revogados. Ou seja, os direitos humanos naturais explicitados obrigam ao Estado, estão acima do Estado, o que é exatamente o núcleo da tese jusnaturalista.

Um exemplo da formulação destas idéias está na teoria da “successivae aggregationis”, das sucessivas agregações, exposta por Alfred Fouillée. Este autor, sempre muito elogiado pelos doutrinadores católicos, escreveu obras importantes como “A psicologia das idéias-forças” (1893), “A propriedade social e a democracia” (1904), “O moralismo de Kant e o amoralismo contemporâneo” (1904), “A moral das idéias-forças” (1908) e “O socialismo e a sociologia reformista” (1909). A sociedade tem, implícito ou explícito, um “pacto quodam generali” (pacto geral, decisão de viver juntos) e este nascem de milhões de pactos (decisões, explicitações das ideias práticas do povo, do direito natural, da lei social) parciais, que formam a sociedade e a autoridade através de milhares de pactos parciais que desembocam na sociedade.

As ideias de propriedade social, de comunitarismo, de institucionalismo, de estruturalismo, de socialismo reformista, de tecnocracia (Veblen), todas estas ideias contêm, implícitas ou explicitamente, em germes ou desenvolvidas, várias das grandes verdades da doutrina da Igreja, sobre economia mista, regime misto, mediania, socialismo participativo, democracia popular, Estado social etc.