A Democracia popular com economia mista é a forma natural de governo, de autocontrole social

John Keane, no livro “Vida e morte da democracia” (Coimbra, Edições 70 Ltda, 2009, p. 11), mostrou, ao historiar a democracia, a existência de estruturas democráticas na Mesopotâmia e na Fenícia, áreas banhadas pela cultura semita, antes da Grécia:

A chama de uma democracia baseada em assembleias fora acesa, em primeiro lugar, no “Oriente”, nessas terras que, nos dias de hoje, correspondem geograficamente à Síria, ao Iraque e ao Irã. Mais tarde, o costume do autogoverno popular foi transportado mais para leste, para as partes do subcontinente indiano. Com efeito, nessa região, por volta de 1.500 a.C., quando estava a iniciar o período Védico, as repúblicas governadas por assembleias já se iam tornando comuns. Tal costume também viajou para o Ocidente, primeiro para as cidades fenícias, como Biblos e Sídon, entre os hebreus, depois para Atenas, onde, ao longo do século V. a.C., viria a ser reivindicado como algo único, algo que era próprio do Ocidente, ou seja, como um sinal de superioridade em relação ao “barbarismo” do Oriente”.

A democracia e a ética existem desde o início da humanidade. A própria Bíblia foi redigida com bases humanas e racionais, bases pré-revelação, ecumênicas, como uma síntese de idéias racionais, culturais e religiosas pré-existentes, ampliando as verdades religiosas, éticas, científicas e filosóficas. Isto ocorre com base no diálogo com os portadores de um patrimônio cultural anterior (tradição comum, religião natural, tradicional), incorporando elementos de várias culturas populares.

A inspiração divina opera por meio das luzes da razão do povo, presentes em pessoas situadas dentro de culturas e civilizações, dentro da história.

O que é comum é popular, sendo, em geral, verdade. O termo “comum” (“koiné”) é o mesmo que “universal”, “católico”. “Universal” significa, em grego, “católico”, presente em todas as partes, designando principalmente as idéias do povo, presentes em todos os séculos e as mais difundidas no mundo todo.

A difusão de idéias verdadeiras em todas as consciências significa que todas as consciências podem gerar idéias verdadeiras e isso ocorreu desde o início da humanidade. Esta é a base antropológica que justifica a democracia e também o cristianismo. A ação universal da graça, do Espírito Santo, reforça este movimento universal das consciências, que produz um acervo natural e crescente de idéias práticas verdadeiras e adequadas ao bem comum.

O termo “comum” está ligado à raiz da palavra “comunidade”, “comunhão” (de “koinônia”, vida em comum, com ajuda mútua) do povo, que é o ideal político e econômico da Igreja, sendo também o núcleo do Plano divino da comunhão humana com Deus. Deus quer que as pessoas se unam, formando povos, uma comunhão (comunidade) onde cada pessoa seja livre, agindo por meio do diálogo, em prol do bem comum. Uma comunidade com o máximo de liberdade, ponto bem explicado por Maritain, Mounier e mesmo De Gaulle, três grandes católicos que lutaram pela democracia participativa, comunitária e popular.

O ideal humano que corporifica o ideal divino da Comunhão é o ideal de uma democracia real, popular, não-capitalista, humanista, cooperativista, comunitária e personalista.