O equiprobabilismo, ou probabilismo moderado, de Santo Afonso, a melhor linha ética da Igreja

O relativismo moderado também está presente no equiprobabilismo (cf. Santo Afonso de Ligório, Haring e Marciano Vidal), sendo aceito porque a Igreja defende a liberdade política das pessoas, o respeito devido a cada pessoa, pois em todas as pessoas há uma consciência, uma razão ativa, sendo todas as pessoas sagradas. O diálogo, a forma natural de elaborar consensos e concórdia, é o método apropriado para encontrar estas soluções que atendam ao maior número possível de opiniões de interesses legítimos.

Nos assuntos humanos, a consciência, por raciocínios, utiliza proposições tópicas, verossimíveis, prováveis, como foi demonstrado por Aristóteles e por Cícero, tal como por Sócrates e Platão. Por conta desta dificuldade é que a Igreja adotou o probabilismo moderado, também chamado de eqüiprobabilismo, como a viga mestra da ética. Isto ficou claro na “Resposta da Sagrada Penitenciária ao arcebispo de Besançon”, de Gregório XVI, em 05.07.1831, aprovando a “teologia moral” de Santo Afonso, como um “caminho seguro” (cf. Pio XI) para reger a vida. Leão XIII, pelo Decreto “Inter eos qui” (23.05.1871), declarou Santo Afonso como “Doutor da Igreja”.

O livro de Santo Afonso de Ligório, “O bom uso da opinião provável” (1765) resumiu, em 360 páginas, seu sistema equiprobabilista. Vejamos a síntese deste equiprobabilista, feita pelo biógrafo de Santo Afonso, o padre redentorista, Théodule Rey-Mermet, “Afonso de Ligório, uma opção pelos abandonados” (Aparecida-SP, Ed. Santuário, 1984, p. 613): “filho e imagem de Deus, o homem é livre; perante uma obrigação duvidosa, sua liberdade continua, porque é certa”.

No livro “A moral de Sto. Afonso” (Aparecida SP, Ed. Santuário, 1996, p. 66), o padre Théodule definiu a posição de Santo Afonso com as palavras do padre Vereecke: “humanismo das luzes, personalismo cristão: Afonso é bem de seu tempo, e é bem do nosso”. Na mesma página, resumiu a doutrina de Santo Afonso: “primado da verdade”, “primado da consciência pessoal, segundo a qual cada um será julgado; primado da liberdade, isto é, do homem” e estes “três primados” “se equilibram e se apóiam mutuamente”. As obras do grande Marciano Vidal dão continuidade à boa linha de Santo Afonso.

O ponto essencial é que o ser humano é bom, que a liberdade é boa, porque a natureza é boa, ponto bem explicado no livro “Genesis”, nas palavras do próprio Deus. O ser humano é livre e deve reger-se pela própria consciência pessoal e a sociedade deve reger-se pelo diálogo, que interliga as consciências pessoais numa comunhão.

A liberdade humana só opera de forma racional: só temos o dever de obedecer quando a regra estiver fundamentada racionalmente, além de qualquer dúvida razoável, como bem explica o Direito. Os atos humanos são bons e a liberdade só deve ser cerceada diante de obrigações (deveres) claros e racionais. A liberdade é “legítima”, as restrições devem ser racionais, claras, “uma lei duvidosa não obriga”.

O próprio Santo Afonso, numa carta a Remondini, em 30.06.1765, deixa claro sua ligação com a ética democrática dos jesuítas, ao elogiar “Lugo, Suárez, Laymam, Lessius, Castropalaus” e outros. No mesmo sentido, Santo Afonso de Ligório, um dos 33 Doutores da Igreja, Patrono da teologia moral, adotava a mesma tese de Suárez e Bellarmino (outro santo e Doutor da Igreja): o poder reside na sociedade, nasce do consenso racional em torno de regras que assegurem e promovam o bem comum.

As sociedades domésticas (famílias), tal como todas as sociedades, nascem pelo consenso e pelo diálogo. O consenso é também a base das sociedades maiores, das vilas, bairros, cidades, Estados-membros (departamentos), Regiões, Nações, Uniões continentais e de um futuro Estado mundial. Como explicou Pio XII, num discurso de 06.04.1951, uma futura “organização política mundial” deve “adotar a forma federal”, federativa, sem “um unitarismo mecânico”, respeitando a justa autonomia dos “diversos povos”.

Num parêntese, o padre Leonhard (Leonardo ou Leonardi) Lessio ou Lessius (1554-1623) foi um jesuíta belga (sediado em Lovaína), da linha de Suárez, Bellarmino e Luís de Molina. Léssio escreveu obras como “De gratia efficaci” (1610) e “De justitia et jure” (1605). Esteve em contato com São Vicente de Paulo. Lessio foi elogiado por Santo Afonso de Ligório e Harold Laski, o que mostra sua importância. Foi uma das estrelas de Lovaína, tendo estado em Roma, onde trabalhou ligado a Bellarmino e a Suarez. Léssio criticou os erros de Bayo.

O grende padre Léssio era ligado ao padre Luís de Molina, sendo um molinista, destacando o papel atuante do livre arbítrio na cooperação com a graça divina, ponto que o tomismo também adota, por outra argumentação. A obra mais importante de Lessio, no entanto, foi “De justitia et jure”, onde trata da intervenção do Estado, coibindo juros, regulamentando contratos etc.

O padre e cardeal João de Lugo (1583-1660) também deixou bons textos sobre a graça suficiente e o poder da razão. Santo Afonso o considerava como “o mais importante teólogo depois de Santo Tomás de Aquino”.

O probabilismo moderado é a corrente ética correta e mais aceita entre o Clero, na Igreja toda, porque valoriza a razão, o diálogo, a liberdade humana. Esta é a linha correta da teologia, uma linha democrática, racional, humana, bondosa. Esta era também a linha de São Francisco de Sales (Doutor da Igreja e também molinista, como mostra sua carta de 26.08.1618 ao padre Lessio) e de São Vicente de Paulo.

O probabilismo moderado ensina que os assuntos humanos, especialmente os políticos, ficam entregues ao debate e ao diálogo, ao consenso, aos pactos, aos acordos, à concórdia (cf. Juan Luís Vives, um dos precursores da Previdência Social). Por isso, a Igreja reconheceu várias vezes, especialmente nos textos de Leão XIII, a liberdade política, científica, literária, civil etc das pessoas. Por esta razão, a Igreja rejeita o clericalismo. O clero não pode ditar as linhas mais complexas da vida política, este ponto fica para os leigos. O clero pode apenas ensinar princípios e regras mais abstratas e não detalhadas e posicionar-se quando uma lei ou instituição for injusta, prejudicando a sociedade (especialmente os pobres), mas isso desde que a injustiça e irracionalidade ficquem claras além de qualquer dúvida razoável,

Diante da variedade das opiniões, da multiplicidade de pontos de vista, a solução é o diálogo, os debates, a busca de consensos, a decisão por maioria com respeito à opinião da minoria.

Deus quer que as sociedades se governem pela via do diálogo, por consensos racionais, por sínteses amplas que abarquem o máximo de lados das questões. Para abonar este ponto, basta citar milhares de textos de expoentes como o Cardeal Newman (1801-1890), Ozanam, Lacordaire, Dupanloup, Ketteler, Montalembert, Buchez, Acton, Ketteler, Joaquim Nabuco, Maritain, Marc Sangnier, Mounier, Alceu Amoroso Lima e outros bons expoentes do catolicismo.

O livro de Aristóteles, “Tópica”, foi apreciado por Vico, no livro “De nostri temporis studium ratione”, com o elogio da prudência (sabedoria) como virtude essencial, presente especialmente no povo mais simples. Também foi elogiado por Theodor Viehweg, no livro “Tópica e jurisprudência” (1953). Viehweg ajudou na superação dos erros do positivismo jurídico, reforçando a construção de uma “teoria material da Constituição”, como ressaltou Paulo Bonavides, na mesma boa linha de autores como Konrad Hesse, Friedrich Müller, Peter Heberle ou Martin Kriele. Estes autores formularam métodos de interpretação da Constituição vinculados à meta de concretização dos direitos fundamentais, dos direitos humanos naturais. Esta linha coincide, assim, com as grandes linhas da doutrina social da Igreja, que busca a construção de uma sociedade justa, uma sociedade do diálogo, do bem comum.

João Paulo II, na “Laborem exercens” (n. 6), escreveu: o ser humano “deve submeter a terra” (cf. Gn 1,26), “porque, como imagem de Deus, é uma pessoa, ou seja, um ser subjetivo, capaz de agir de maneira programada e racional, capaz de decidir a respeito de si mesmo, e que tende a realizar a si mesmo”. A subjetividade da consciência, do trabalho, do ser humano e da sociedade deve ter a primazia no processo produtivo, político, econômico e histórico.