O marxismo é formado por dezenas de ideias cristãs e algumas ideias erradas….

Harold Laski elogiou como precursores de Marx os seguintes autores: Mably, Morelly, Sismondi, Coleridge (1772-1834, anglicano ecumênico), Thomas Carlyle, Southey, Linguet e especialmente Antonio Eugênio Buret (1811-1842). Buret era discípulo de Sismondi e foi um dos principais socialistas pequeno-burgueses, cristão e precursor direto de Engels. Marx elogiou Buret, nos “Manuscritos”, de 1844. Laski também considerou Phillipe-Joseph Buchez (1796-1865) como outro dos precursores diretos de Marx. Buchez foi um socialista católico, citado por Marx desde suas primeiras obras, como, por exemplo, no ensaio “sobre a questão judaica”.

Ocorre que todos estes autores eram bons cristãos, em geral católicos ou anglicanos. Carlyle (1795-1881), por exemplo, foi extremamente lido pelo jovem Engels e criticou as mazelas do capitalismo, tendo escrito boas obras como “A Revolução francesa” (1837), “Os heróis” (1841) e “Sartor resartus” (1834), sendo esta última um bom elogio aos artesãos. Carlyle ensinava que o poder de Deus fica patente (explícito) no heroísmo, na prática das virtudes, sendo esta a principal forma de atuação divina no mundo. Heroísmo não significa apenas morrer pela pátria ou para salvar outra pessoa, mas agir corretamente, com bondade (visando sempre o bem comum), durante a vida.

Marx foi um codificador, elaborando sínteses com bases em fontes pré-marxistas, praticamente todas inspiradas no cristianismo ou no pensamento hebraico (por exemplo, Moses Hess). Babeuf e Buonarotti eram teístas, seguindo a linha teórica cristã de Santo Tomás Morus, Campanella, Morelly e de Mably (também de Rousseau). Da mesma forma, o Círculo Social, Robespierre, Marat, Saint-Just, os curas vermelhos, Jacques Roux, Petit-Jean, Croissy, Carion, Cournand ou Pierre Dolivier. O próprio Marx, tal como Engels, reconheceram que estes autores foram seus precursores. Este ponto fica patente no “Manifesto” e também no livro “Anti-Dühring”, a síntese de Engels.

A Liga dos Justos, que Marx encontrou atuante desde 1844 (embora existissse desde o início da década de 30 do século XIX), seguia uma linha teísta. Esta linha é clara como um sol nos textos seguidos pela Liga, os textos de Sismondi, Saint-Simon, Lamennais, Buonarrotti e Weitling, Buchez, Cabet e outros. Foram estes os textos que cativaram Marx. A mesma base jusnaturalista e religiosa está presente em Fourier, Owen e Saint-Simon (basta ver o título da obra-testamento deste último: “O novo cristianismo”).

Os textos de Weitling, Pierre Leroux, Thomas Hughes, Rodbertus ou de um Cabet deveriam ser reeditados, pois são textos recheados de boas verdades, na mesma linha das CEBs (comunidades eclesiais de base). Por exemplo, Leroux (1797-1871) escreveu: “Do cristianismo e de suas origens” (1848), esboçando um socialismo religioso, democrata e cristão, com pitadas de pitagorismo e budismo (de ecumenismo, que também caracterizam os textos de vários Santos Padres, apreciadores dos textos pitagóricos, presentes também no platonismo, porque muito do platonismo vem dos pitagóricos). Etienne Cabet (1788-1856) também trouxe grandes pontos positivos, tendo deixado obras como “O verdadeiro cristianismo” (1848).

O socialismo difundiu-se na França e na Europa graças às verdades cristãs e hebraicas, presentes nos primeiros socialistas, inclusive Marx. Outro autor que desenvolveu as linhas gerais de um socialismo democrático e cristão foi Louis Blanc. Na Rússia, basta ver os textos católicos de Petr Jakovlevic Chaadaev (1794-1856) e os de Tolstoi (anarquista cristão, tendo influenciado Gandhi).

Conclusão: como Lênin constatou, há um “espírito [fundo, núcleo de idéias] democrático revolucionário” no “cristianismo”. Este núcleo é a base da doutrina social e da teologia da libertação. Sobre a identidade, em linhas gerais, tal como a complementariedade, entre a doutrina social da Igreja e a teologia da libertação, vale à pena ler o livro de Francisco Ivern S.J. e Maria Clara Bingemer, “Doutrina social da Igreja e teologia da libertação” (São Paulo, Ed. Loyola, 1994).