A teoria e a classificação das paixões, em Aristóteles, Agostinho, Descartes, São Francisco de Sales e Spinoza

A Igreja nunca ensinou, como alguns estóicos (Cícero, Sêneca, Plutarco e alguns outros não incidiram neste erro) e alguns budistas, que as paixões em si são más. As paixões são boas, pois a natureza, apesar de decaída, é boa, e isso vale para o corpo, os prazeres, o prazer sexual, os afetos, os instintos etc. Tudo isto está claro na “Suma Teológica” ou no “Tratado das paixões” de Descartes, tal como estava bem exposto na “Ética a Nicômaco” de Aristóteles e nos livros sobre ética de Cícero (bem apreciados por Santo Ambrósio ou São Jerônimo).

Sobre a distinção entre boas e más paixões, nascidas do apetite sensitivo, vale a pena ler o livro de São Francisco de Sales, “Tratado do amor de Deus” (Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1950, p. 32, 34/35), que lembra que Santo Agostinho mostrou que os melhores estóicos admitiam que os sábios pudessem ter afeições (“eupatias”, “boas paixões”):

“… as paixões e afeições são boas ou más, viciosas ou virtuosas, conforme o amor donde procedem é bom ou mau” e “Santo Agostinho reduziu a quatro todas as paixões e afetos. “O amor, diz ele, que tende a possuir aquilo que ama, chama-se desejo; alcançando-o e possuindo-o, chama-se gozo; fugindo ao que lhe é oposto, chama-se temor; e, se este mal lhe sucede, e o sente, chama-se tristeza; e estas paixões são más, se o amor é mau; boas, se ele é bom”. 

Santo Agostinho assim ensina que há cinco paixões (emoções fundamentais): amor, desejo, alegria (gozo, o que inclui o prazer), temor (medo) e tristeza (o que inclui o sofrimento). Cinco. 

Descartes ensinou, no “Tratado das paixões”, sua última obra, que as paixões principais seriam: amor, ódio, desejo, alegria, tristeza e admiração. Vou destacar o ponto sobre a admiração (elogiada por Aristóteles como base da filosofia) em outra postagem. 

São Tomás de Aquino classificou as paixões em onze principais – amor (inclinação), ódio, alegria, tristeza, desejo e aversão (seis do apetite, concupiscíveis) e esperança, desalento, animo, temor (medo) e ira (paixões de defesa e consecução, irascíveis). 

São Tomás, no entanto, distingue, entre as onze, quatro paixões (emoções) fundamentais – desejo, temor (medo), alegria e tristeza (sofrimento). A mesma opinião dada por Santo Agostinho, no livro “Cidade de Deus” (livro XIV). Lembra também que o desejo inclui a cobiça, a base da concupiscência, querer algo. Aristóteles, no livro II da “Ética a Nicômaco” (capítulo 3, 1104b e cap. 5, 1105b), também destacou que a alegria (o que inclui o prazer) e a tristeza (o que inclui o sofrimento) são as paixões fundamentais.

Depois, Aristóteles, no livro “Da alma” (cap. 4), ensina que da concupiscência (desejo) nasce a alegria (quando a pessoa frui, tem a posse do bem querido) e a esperança (a alegria pela espera do bem) e da ira nasce a dor (sofrimento) e o medo (a espera do falta do bem, do mal, do sofrimento). No mesmo livro, “Da alma” (cap. IV), Aristóteles ensina que são quatro as paixões (emoções) fundamentais – alegria (o que inclui o prazer), tristeza (o que inclui o sofrimento, a dor, tristeza), medo e esperança.

Boécio, no livro “Sobre a consolação”, diz que as paixões fundamentais são – alegria, medo (temor), esperança e tristeza (sofrimento). Avicena, no livro “Da alma”, ensina coisa parecida. 

São Tomás ensina também que as paixões do concupiscível estão ligadas a nossa relação com os bens. As paixões do irascível estão ligadas a nossa relação com o mal (a falta do bem devido, correlato). 

Spinoza classifica as paixões principais em alegria, tristeza e desejo. Estas seriam as três mais importantes. Daí, surgiriam outras, totalizando cinco, como as mais importantes. Então, o desejo é um apetite de que temos consciência; a alegria é o efeito da posse de um bem; a tristeza é o contrário; o amor é a alegria acompanhada de uma causa externa; e a ódio é a tristeza acompanhada de uma causa externa. Alegria, tristeza, desejo, amor e ódio. Quase a classificação de Agostinho, aceitando amor, desejo, alegria, tristeza como comuns a estes dois pensadores. Então, Agostinho destaca temor e Spinoza destaca o ódio, na quinta. 

São Francisco de Sales também escreveu: “por isso, o maior homem de bem de todo o paganismo, Epitecto [um escravo estóico], não abraçou este erro de não haver paixões no homem sábio”. São Francisco de Sales, amigo do grande São Vicente de Paulo, reconheceu que os bons pagãos também se salvavam e obtinham a bem-aventurança durante a vida e após a morte. A salvação, para cristãos e para não-cristãos, ocorre pela orientação da vida em prol do bem comum (da “pátria”, da sociedade que os cercava, onde viviam, da humanidade), pela prática das “virtudes” (ações racionais visando o bem), pelo cultivo da “ciência” e por vingarem as afrontas contra o povo e indignarem-se e combaterem os tiranos.

Vejamos a conclusão de São Francisco de Sales na obra referida acima:

Na vontade há, como no apetite sensitivo, movimentos chamados afetos; mas os da vontade chamam-se ordinariamente afeições, os outros, paixões. Os filósofos gentios podiam amar a Deus, a pátria, a virtude, as ciências; aborreceram o vício, desprezaram as honras, a morte ou a calúnia, desejaram a ciência: podiam até ser bem-aventurados depois da sua morte; animaram-se a vencer os obstáculos que encontravam na aquisição da virtude, temeram a censura, fugiram de cometer muitas faltas, vingaram as afrontas públicas [ao povo], indignaram-se contra os tiranos, sem interesse próprio. Todos estes movimentos residiam na vontade, visto que nem os sentidos, nem por conseqüência o apetite sensual, são capazes de ser aplicados a estas coisas, e, portanto, estes movimentos eram afetos do apetite intelectual ou racional, e não paixões do apetite sensual”.

Correlato às emoções, havia a teoria dos quatro temperamentos, criada por Hipócrates, e desenvolvida por Aristóteles e depois por Galeno. O temperamento melancólico era marcado pelo predomínio das emoções da tristeza, do medo, do receio. O temperamento colérico era marcado pelo predomínio da paixão da ira. O temperamento sanguíneo era marcado pela alegria, otimismo, esperança. O temperamento fleumático era marcado pela temperança, pelo controle racional das paixões.